terça-feira, 27 de dezembro de 2011

EULLER:"Piso sonegado revela falência dos instrumentos de poder em Minas e no Brasil ."

TERÇA-FEIRA, 27 DE DEZEMBRO DE 2011

Piso sonegado revela falência dos instrumentos de poder em Minas e no Brasil

Qualquer forma de organização é um instrumento de poder - isso todos sabem. Um sindicato é um instrumento de poder. Quando ele é controlado há três décadas por um único grupo político, mostra que sua essência é caracterizada por pouco respeito à democracia e às diferenças existentes na categoria que ele representa. Os partidos são instrumentos de poder, assim como o estado dito democrático, que supostamente funcionaria, segundo a fórmula de Montesquieu, separado entre três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. Teoricamente este formato, guardada a relativa autonomia entre si, manteria o equilíbrio e a harmonia necessários para que nenhum deles praticasse abusos, e acima de tudo, para que todos correspondessem às demandas da maioria da população. "Todo poder emana do povo", é o que diz a Carta Magna do país.

Uma coisa, contudo, são as palavras; a outra, bem diferente, é o que a prática revela. A prática, diziam os marxistas, é o critério da verdade. E esta prática revela que os poderes constituídos estão falidos. O piso salarial dos professores e demais educadores, sonegado, burlado, roubado, é mais uma robusta prova de que o estado brasileiro se tornou a sua negação. Claro que existem inúmeras outras provas deste confisco da cidadania, que se expressaria teoricamente na forma moderna de democracia ocidental. Poderíamos aqui, por exemplo, citar a grande mídia como a expressão da negação da liberdade de opinião e de imprensa. Mas, o nosso foco aqui é o piso, e portanto, é sobre ele - e sobre o que a sua negação revela - que falaremos.

Um dos papeis essenciais do estado enquanto instrumento de poder concedido, ou seja, aceito e eleito pela maioria para que a represente, é que este estado cumpra o seu dever de prestar serviços públicos essenciais de qualidade para todos. A Educação pública de qualidade é um destes serviços. Talvez o principal, porque sem uma formação humana e técnica adequada, estamos sentenciando milhões de pessoas a condições desfavoráveis para lidar com o próximo e com os desafios da vida no cotidiano.

Sonegar à população, especialmente à maioria pobre, o direito ao ensino de qualidade, é burlar, é sonegar, é solapar aquilo que esta população, através dos seus representantes constituintes, transformaram em lei maior, através da Constituição Federal, e também através das leis federais voltadas para implementar a norma constitucional aprovada pela maioria. E quando se fala em educação de qualidade estamos falando diretamente dos seres humanos que são os responsáveis por esta educação. Estamos falando dos profissionais da Educação. Não é à toa que muito sabiamente a Carta Magna e toda a legislação educacional vigente no país associam diretamente qualidade na Educação com valorização dos profissionais da Educação. Trata-se de um princípio de estado, que governo nenhum tem autonomia para mudar.

Produzir educação depende de pessoas. O espaço físico é importante; os instrumentos ou equipamentos de trabalho são importantes; mas, eles não existem, não funcionarão, se não forem usados por profissionais motivados, preparados humana e tecnicamente, e, na realidade concreta, remunerados adequadamente. Como o conceito de remuneração adequada é muito relativo e complexo, o legislador criou uma forma objetiva e direta de materializar este conceito: o piso salarial profissional nacional. É o que encontramos no parágrafo VIII do artigo 206 da Constituição Federal. Aliás, no texto original - depois desdobrado em mais de um artigo - valorização profissional, plano de carreira e piso profissional vinham juntos, num mesmo artigo. Seria este, portanto, o mecanismo através do qual o estado promoveria a valorização dos profissionais da Educação. Claro está que outras ações, como a formação continuada, além de adequadas condições de trabalho, deveriam se fazer acompanhar desta primeira e essencial medida.

Portanto, o piso salarial não é uma palavra oca, que pudesse ser manuseada ao bel prazer de qualquer governozinho ou qualquer assembleia legislativazinha. Nada disso. O piso profissional dos educadores é o instrumento essencial para a valorização profissional prevista na Carta Magna do país, na legislação educacional, e regulamentado por uma lei federal específica, a Lei 11.738/2008.

Esta lei federal define o conceito de piso - enquanto vencimento básico, salário inicial, sobre o qual incidirão as gratificações e vantagens; define a jornada de trabalho, com dois complementos: o primeiro, o de que o valor piso terá que ser o valor mínimo para remunerar uma jornada máxima de até 40 horas semanais. Reparem que aqui o legislador estabeleceu dois extremos: o valor mínimo do piso e o valor máximo de uma jornada de trabalho. Os governos inverteram estes critérios: o valor mínimo do piso tornou-se o máximo que eles se veem obrigados a pagar (e nem isso cumprem); e o tempo máximo para uma jornada de trabalho, expresso claramente no termo "até 40 horas", tornou-se um tempo absoluto. Ou seja, os governos, ao invés de pagarem no mínimo o valor integral do piso para qualquer jornada, incluindo a jornada menor que 40 horas, dizem querer pagar somente o valor proporcional ao tempo máximo de 40 horas. Mas, infelizmente, a própria lei do piso abre essa brecha. E o segundo critério em relação à jornada de trabalho é em relação ao terço de tempo da jornada, que deve ser dedicado aos trabalhos extraclasse.

Além desses pontos essenciais, a Lei do Piso ainda define as datas da implantação do piso, a obrigação dos governos de criarem planos de carreira ou adaptarem os planos existentes à Lei Federal do piso; define ainda a fonte de financiamento, incluindo a cooperação entre os três entes federados; além do reajuste anual do piso de acordo com o aumento do custo aluno-ano.

Os governos estaduais e municipais, na sua maioria, com a conivência do governo federal e dos demais poderes constituídos, não cumprem o que está estabelecido em lei. O piso salarial no estado de Minas Gerais, por exemplo, foi burlado descaradamente, transformado em remuneração total através desta forma jurídica chamada "subsídio". Se é verdade que esta forma esteja prevista na Carta Magna - aliás, prevista originalmente apenas para os cargos de confiança, e somente a posteriori estendida a outros setores -, não é menos verdade que o legislador, ao desenvolver uma política específica para os profissionais da Educação tenha excluído o subsídio enquanto possibilidade de remuneração para o piso salarial dos educadores. Esta é uma tese que o Bacharel em Direito Marcus Guerra, com outras e mais apropriadas palavras, defendeu aqui no blog. É uma tese que eu também advogo, e que parece consenso para todos os profissionais da Educação de Minas e do Brasil.

O legislador foi muito objetivo ao criar a lei 11.738 quando definiu o piso enquanto salário inicial. Ele poderia ter deixado esta questão em aberto, mas não o fez. Pelo contrário: fez questão de assegurar que a partir de janeiro de 2010 nenhum governo poderia deixar de pagar o piso enquanto vencimento inicial. O legislador não deixou a cargo dos governos estaduais escolherem se o piso poderia ter este conteúdo de salário base, ou se poderia ser pago enquanto remuneração total. Mas, na dúvida, caberia o questionamento na Justiça, coisa que cinco desgovernadores fizeram, para procrastinar a aplicação do piso, através da ADI 4167. O ponto central desta ADI era justamente o de esclarecer o conceito do piso salarial profissional dos educadores: se seria vencimento básico, sobre o qual incidiriam as gratificações, ou se seria o conceito mais amplo, enquanto remuneração total, não importando qual o formato pudesse adquirir: subsídio, soma nominal de vencimento básico e gratificações, ou modelo único de remuneração.

E o STF, a mais alta Corte judicial do país, passados quase três anos da aprovação da Lei do Piso, em abril de 2011 finalmente se pronunciou a este respeito, de forma categórica e irrecorrível: piso é vencimento básico, e não remuneração total. Apesar deste pronunciamento definitivo acerca do teor de uma lei que havia sido aprovada em 2008 - e a qual traz muito claramente este conceito de piso considerado constitucional pelo STF -, o que fizeram o governo de Minas Gerais e o legislativo regional? Justamente aquilo que a Lei Federal e o STF consideram inconstitucional, ou seja, alteraram a legislação estadual para impor o piso enquanto remuneração total. De forma descarada, afrontando a legislação vigente e a decisão judicial da alta Corte do país, o governo de Minas, com a anuência do legislativo mineiro, burlou a aplicação da Lei do Piso, criada para valorizar nacionalmente os educadores e, com isso, assegurar ao cidadão mineiro e brasileiro uma educação pública de qualidade.

Por esta breve análise se pode perceber como todas as peças se encaixam, ou se desencaixam, demonstrando o quanto está invertida a essência dos poderes constituídos, que deveriam prezar pela garantia do interesse público - interesse este consubstanciado no texto aprovado na Carta Magna e na legislação federal vigente, e que prevê que o estado promova uma educação de qualidade para todos; e que para isso é necessário valorizar o profissional da Educação; e que para isso é preciso pagar um piso salarial profissional para estes educadores; e que o piso é salário inicial, não remuneração total.

O governo de Minas e todos os demais que descumprem estes preceitos se encontram na ilegalidade. Numa democracia razoavelmente séria, eles deveriam ser punidos por isso. Mas, aqui, na inversão de valores e de princípios, os punidos são os profissionais da Educação, que ficaram meses com salários cortados e reduzidos, e vão receber, no lugar do piso e das gratificações a que fazem jus, um subsídio - ou modelo unificado de remuneração, que é a soma de remuneração total, e cuja consequência, ou cuja essência, é o confisco salarial e de direitos adquiridos. Nem vamos entrar aqui no mérito sobre as perdas que tal forma de remuneração provocam, como a não aplicação do reajuste anual do piso, além do confisco que houve na própria conversão do antigo sistema para o novo sistema.

Num país como o Brasil, e num estado como Minas Gerais, estas coisas são tidas como normais, enquanto a maioria da população, diretamente ou através de instrumentos de organização que a represente, não se rebelar contra essa sonegação de direitos. Se os meios jurídicos e os instrumentos de poder existentes não forem capazes de fazer cumprir o que manda a legislação vigente, terão os de baixo o legítimo direito - e o dever até - de buscar outros meios para que seus direitos sejam assegurados.

Por enquanto, estamos aguardando uma atitude da direção sindical que deveria representar os interesses da categoria e contratar uma boa assessoria jurídica para responder com competência a essa agressão de que fomos vítimas. Mas, realizado este esforço - o que ainda não se verificou, infelizmente, pois a prioridade parece ser o congresso de fevereiro na turística cidade de Araxá -, e caso o judiciário ou o ministério público federal se omitam ou fujam à responsabilidade atribuída pela Carta Magna, teremos que rediscutir e questionar seriamente um novo caminho para Minas e para o Brasil - e para o mundo também. Quando os instrumentos de poder usurpam os direitos daqueles aos quais dizem representar é dever moral e direito legítimo dos de baixo buscarem outros caminhos.

Um forte abraço a todos e força na luta! Até a nossa vitória!

***
Postado por Blog do Euler às 10:57 11 comentários
Enviar por e-mail

Nenhum comentário :

Postar um comentário