SÁBADO, 12 DE NOVEMBRO DE 2011
Um educador brasileiro - especialmente o mineiro - tem motivos de sobra para desdenhar e praguejar os chefes políticos, os partidos, os poderes constituídos e a legislação vigente no Brasil. A existência de umalei federal - a Lei do Piso -, que deveria servir de motivo de comemoração e estímulo ao exercício do magistério, tornou-se o seu oposto, ou seja, um verdadeiro calvário para os educadores.
Em Minas Gerais - e isso acontece em vários estados - o governo simplesmente desconhece a Lei do Piso. Para não ter que pagar o piso, o governo tem aplicado vários confiscos salariais no bolso dos educadores. Primeiramente, criou e implantou compulsoriamente um novo sistema remuneratório, o subsídio, que representou um confisco de cerca deR$ 2 bilhões anuais, em relação ao que o governo teria que pagar com o piso nas carreiras dos educadores.
Como a lei do subsídio, após um período de vigência, facultava aos educadores o direito de retornarem ao antigo sistema remuneratório, o governo aplicou um novo confiscosobre estes profissionais, que retornaram ao sistema de vencimento básico: reduziu ilegalmente o salário nominal de 153 mil educadores, no meio deste ano, para os valores praticados em 2010. Ou seja, aboliu, para uma parcela dos educadores, um reajuste salarial que havia sido aplicado para todos, previsto em lei e no orçamento estadual. Além de não aplicar o piso no sistema de vencimento básico, como determina a Lei do Piso, em vigência desde 2008 e considerada constitucional pelo STF em abril deste ano, o governo de Minas ainda aplicou uma punição extra aos que ousaram não aceitar o confisco do subsídio.
Tudo isso acontece aqui em Minas - e também nos demais estados - porqueas instituições ditas democráticas estão visivelmente corrompidas e comprometidas. Os poderes constituídos, nas três esferas da União, mostram-se cada vez mais, com raras exceções, dominados por grupos de rapina, formados por pessoas que estão a serviço do grande capital, em detrimento dos interesses da grande maioria pobre da população.
O descaso com a Educação pública - e com os educadores em particular - revela o quanto as elites dominantes não estão nem aí para as famílias de trabalhadores de baixa renda, que são aquelas que mais precisam de uma Educação de qualidade. Para os governantes, investir na repressão é mais importante do que investir na formação humana, na formação de uma cidadania crítica e capaz de questionar a ordem social instalada, podendo, inclusive, alterá-la. Além disso, gastam-se rios de dinheiro com obras faraônicas, com cidades administrativas, com estádios de futebol, com Copa do Mundo, com asfaltamento de estradas, mas nunca têm recursos para os servidores da Educação.
Ora, o que temos assistido em Minas é um exemplo claro, um caso emblemático, de como os governantes usam e abusam do poder, sem qualquer forma de controle dos demais poderes constituídos e de outras formas de fiscalização. Legislativo, TCE, judiciário, Procuradoria Geral tornam-se meros instrumentos de homologação das políticas neoliberais desenvolvidas pelos grupos que dominam o governo nos últimos 10 ou 15 anos, pelo menos. E para completar o quadro, todos estes grupos são blindados por uma mídia que se tornou o oposto do que se apregoa em matéria de liberdade de imprensa, de opinião e de consciência.
Na prática, os fundamentos teóricos assumem o seu sentido contrário. Eles falam em democracia praticando ditadura; falam em liberdade abolindo-a para a maioria da população; falam em serviços públicos de qualidade, enquanto perseguem e cortam direitos dos educadores, do pessoal da saúde, da segurança pública, dos eletricitários, entre outros.
A novela do piso, dentro deste contexto, serviu para nos mostrar o quanto toda a estrutura de poder no Brasil está corrompida. Todos os partidos, especialmente os maiores e que dominam e repartem entre si fatias dos diversos governos, estão envolvidos nesta história de enganação e de negação de um direito que foi duramente conquistado pelos educadores e pela sociedade brasileira.
O piso salarial nacional é uma exigência constitucional, da Carta Magna de 1988. Regulamentado por lei federal 20 anos depois - portanto, em 2008 -, até o presente momento não foi aplicado. Os estados, para escaparem desta obrigação constitucional, voltada para valorizar o educador e com isso garantir um ensino público de qualidade para todos, têm realizado as mais diferentes manobras e golpes. Em Minas Gerais, por exemplo, além do subsídio e do confisco imposto pelo governo aos que retornaram ao antigo sistema, o governo pretende agora alterar a estrutura do plano de carreira e dos percentuais das tabelas salarias, que foram criadas pelo próprio governo mineiro, do grupo que está no poder. E com isso, na prática, o governo deixará de pagar o piso, já que retirará das carreiras as poucas vantagens que o piso traria, caso fosse implantado como manda a lei.
E o que fazem o governo federal, os ministros do STF, os parlamentares do Congresso Nacional e os poderes assemelhados no âmbito regional?Nada. Ficam todos omissos, como se o problema não tivesse nada a ver com eles. Todos eles são muito ágeis quando se trata de votar e brigar por aumentos salariais e de verbas indenizatórias em favor deles. São eles que decidem quanto eles vão receber. Têm o poder de barganha e de troca de favores entre si. Mas, perguntamos: como fica a população e baixa renda? Como fica a situação dos outros setores da sociedade, que são justamente aqueles que produzem as riquezas deste país e do mundo? Até quando vamos tolerar esta palhaçada que se pratica em nosso nome sem nos consultar, sem nos ouvir, e sequer sem cumprir as próprias leis que eles fizeram, quando estas não lhe são benéficas? Que palhaçada é esta?
Porque na prática é isso mesmo: uma verdadeira molecagem contra os educadores! Foram eles que aprovaram uma lei federal; foram eles que aprovam leis estaduais que criaram o plano de carreira e as tabelas salariais vigentes. E agora, na hora de aplicar a lei do piso nas carreiras existentes eles querem alterar as regras do jogo para escapar desta obrigação legal. Ora, isso é inaceitável. Isso é ridículo. Isso é um abuso de poder e do bom senso contra os educadores e contra a população de baixa renda, que é aquela que precisa contar com serviços públicos de qualidade, especialmente os da Educação pública.
As desculpas que dão para este verdadeiro estupro constitucional são as mais variadas: falta de recursos, Lei de Responsabilidade Fiscal, crise na Europa, etc, etc., etc. Mas, perguntamos: essas desculpas só servem para os educadores? Por que não são usadas para fazer uma ampla reforma do estado, para reduzir os gastos com deputados, com o governo na alta cúpula, com os desembargadores, com a propaganda enganosa na grande mídia, enfim, com a manutenção caríssima desta estrutura de poder, que envolve um exército de assessores em cargos de confiança, que pouca serventia têm para o cidadão comum, que paga imposto e constrói as riquezas do país?Por que somente os educadores é que são chamados a terem paciência, a serem compreensivos, que um dia, talvez daqui a 1.000 anos, haverá condições de praticar uma política justa para vocês (para nós), oh, pobres educadores?
Já prometeram o piso, e não cumpriram. Já prometeram uma fatia do pré-sal, e seguramente não vão cumprir. Por isso sou incrédulo em relação a esta campanha dos 10% do PIB, seja para agora ou para daqui a 100 anos, pois seguramente eles arrumarão um jeito de colocar os investimentos em obras faraônicas como sendo gastos com a Educação.
A lei do piso, continuo dizendo, é emblemática. Ela determina um valor concreto - e muito baixo, diga-se - como vencimento inicial; estabelece critérios para a jornada de trabalho; indica a forma concreta de financiamento - o FUNDEB e a complementação por parte da União, caso o estado ou município comprove que não pode pagar o piso -, e ainda assim os estados e municípios e o governo federal, cada qual à sua forma, recusam-se a aplicá-la. Com a conivência das procuradorias regionais, dos legislativos estaduais e municipais, dos judiciários, e da mídia comprada e vilipendiada.
Ora, diante desta realidade, claramente voltada para a destruição da Educação pública, não resta outro caminho aos educadores senão o da luta, da resistência. O educador que está se aposentando, ou que já se aposentou, ou que esteja ingenuamente iniciando a carreira agora têm o mesmo compromisso de lutar pela salvação da carreira ameaçada e pela Educação pública de qualidade para todos.
Por isso, devemos nos preparar sim, para uma nova greve em 2012. Se o governo de Minas não apresentar uma proposta que contemple o pagamento do piso na carreira como determina a legislação vigente, devemos nos preparar para uma nova greve geral, desta vez mais organizada, mais ofensiva e para fazer tremer o chão do Brasil. Devemos mostrar para todo o Brasil a verdadeira face dos governantes, dos chefes políticos que andam por aí se apresentando como candidatos a presidir o país - quando nos seus estados deixaram uma herança de destruição da Educação e da Saúde -, e da natureza de todos estes grupos e chefes e partidos que se apresentam com um discurso, mas na prática se unem aos de cima para nos massacrar.
A partir, portanto, do dia 16, data da reunião da tripartite, saberemos o que fazer: se o governo mineiro cumprir a lei - e inclusive se dispuser a devolver o que nos tirou neste ano -, haverá um mínimo de condições de trabalho e de pacificação; do contrário, devemos sim nos preparar para os embates maiores que virão. Vamos intensificar as mobilizações e fazer do exercício nas escolas uma prática cotidiana de preparação para a greve e para o enfrentamento contra esta máquina que tem sido usada para destruir seres humanos. Não temos o direito de nos acomodar e de nos resignar ante a tantos ataques que temos sofrido por parte do governo e da sua máquina. Só nos resta a luta. Com uma boa assessoria jurídica e um intenso trabalho em cada escola, em cada bairro, para realmente fazermos valer nossos direitos e interesses de classe.
Um forte abraço a todos e força na luta! Até a nossa vitória!