Professores japoneses que não se curvam ao Imperador
Já faz algum tempo que anda circulando pelo Facebook uma frase que indica um suposto comportamento cultural no Japão e que serviria para levantar o moral dos professores brasileiros. Acontece que esta frase, replicada por tanta gente, não condiz com a realidade — e o pior: se condissesse, ainda assim não deveria servir de exemplo.
Eis a mensagem em questão:
“No Japão, o único profissional que não precisa se curvar diante do imperador é o professor, pois segundo os japoneses, numa terra que não há professores não pode haver imperadores”.
Esse boato começou esse ano na rede social do Brasil, e de repente virou uma grande verdade. Mas — eis o grande mal do brasileiro — parece que mais uma vez as pessoas estão engolindo e replicando uma mentira sem refletir sobre o assunto, fato que não é nenhuma novidade no Facebook.
É fato altamente verificável que em muitos outros países, a profissão de professor é respeitada, valorizada e admirada pela população e pelos governantes. Certamente é o caso do próprio Japão. Mas esse boato de que é o único profissional que “não precisa se curvar diante do Imperador” é um tanto problemática. Primeiro, porque eu nunca ouvi falar dessa situação, e esse rumor só começou a existir há poucas semanas em blogs e algumas poucas páginas brasileiras, cuja fonte é... o próprio Facebook. Fiz uma pesquisa em sites de língua inglesa e espanhola, e nada comprova essa situação; e segundo: bem, esse é o problema mais sério...
Segundo o texto, a justificativa dos professores não precisarem se curvar diante do Imperador é porque “numa terra que não há professores não pode haver imperadores”. Isso tem sido divulgado como um ponto positivo a nosso favor...
Se o “imperador” americano se curva diante do imperador japonês, o que dirá o professor
Não sei se mais alguém percebeu o mal-estar dessa afirmação, mas o que está bem explicito ali é: “se não fossem os agentes do ensino em sala de aula pregar as maravilhas do nosso Império, a bondade, a lealdade e a firmeza do nosso querido Imperador, se não fosse por eles que desde cedo implantam nas cabeças de nossas crianças a ideologia do império japonês, eu não poderia estar sentado neste trono agora, obrigado professores!”
Em nenhum lugar do planeta tal atitude deveria ser louvada, mas no Brasil... a gente vai passando adiante as coisas sem nem ao menos pensar sobre o assunto...
É claro que o ato de ensinar não prima pela neutralidade. Todo professor carrega consigo os seus valores e as ideias de seu tempo. Também já foi o tempo da escola tradicional onde o aluno assimila passivamente os ensinamentos do mestre. Mas uma postura francamente direcionada para a louvação de um sistema de governo, o Império japonês ou próprio imperador, não me parece algo digno de exemplo, nem que seja para evitar uma leve inclinação de cabeça.
Aparentemente é uma questão sem maior importância, mas esse é um exemplo modelar de como boatos e pensamentos irrefletidos e replicados podem criar uma verdade que não tem a menor base de credibilidade, e que, ainda pior, podem esconder uma característica nociva. Pense nisso.
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Professor de História formado pela UERJ, defende o rigor científico e renega o obscurantismo e a superstição na busca pelo conhecimento, mas admite que a ciência ainda não é capaz de responder a todos os fenômenos. Para saber mais veja o perfil clicando aqui |
Mostrando 30 comentários
- T.S. Frank 2 meses atrás
Olá, querido Almir!
Então, temos estampado o mau de passar uma informação em corrente e não se importar com as fontes e mais uma vez no Facebook [não consigo gostar dessa rede social].
Em relação aos professores, sabe, o nosso querido Brasil Brasileiro é o lugar do status - aqui o que vale é a profissão do dinheiro - médico, advogado, engenheiro civil. Conhecimento? Conhecimento era da década de 40 e morreu no começo da década de 90 - universitário era um 'bicho' louvável, que debatia e tinha presença.Hoje? Hoje universitário gosta de Michel Teló... E se esses alunos não valorizam o ensino, não irão valorizar o professor, nunquinha mesmo! É uma cultura forjada em casa, pelos pais que 'sonham com uma profissão brilhante' - aquela que o vizinho vai falar - Dr. Fulano de Tal tem uma casa na praia... Se eles não sabem diferenciar Astronomia de Astrologia, como vão reconhecer um professor universitário de Físicaque ganhou um prêmio por descobrir uma supernova? Vão dizer - Louco, estudou tanto para dar aulas e descobrir algo que a gente nem sabe se é de Deus [o que é um Supernova mesmo? Se perguntarão...].
Triste, lamentável...Tenho, às vezes, orgulho do Brasil pela cultura que ficou lá atrás e dos cientistas que tiveram que sair daqui para serem reconhecidos.
Eu sempre admirei a cultura japonesa porque, apesar de ser tão fechada, ensina os valores corretos, pune as faltas com educação, não passa a mão na cabeça. O imperador, no mínimo, deve reconhecer extremamente isso.
Enquanto os educadores daqui são ameaçados e relegados a condição de escravos e amos de leite... Nos EUA os 'Jaimes Escarlantes' são reconhecidos [apesar do sistema americano ter muitas falhas e ele mesmo desistiu por isso, mas tentou!] e, no Japão, os mestres são louvados pelos imperadores.T.S. Frank
www.cafequenteesherlock.blogsp... Caro Almir,
Gostaria de te parabenizar pelo brilhante artigo! Encontrei esse seu artigo, pois tive o mesmo interesse em conferir se tal informação era verídica. Acho que essa divulgação massiva de frases "bonitas" e "inteligentes" tem sido um constante problema atual, que deriva da agilidade da internet e mais além, pelas "necessidade" de interação nas redes sociais. Tanto é que muitos textos são atribuídos a autores famosos que jamais pensariam em escrevê-los, principalmente por terem morrido, na maioria das vezes, muitas décadas antes dos fatos narrados. Seu espirito reflexivo e crítico é destacável e deveria ser compartilhado por mais pessoas.
Abraços,
Renan Sargiani
http://psicologiaexplica.blogs...- SandroAtaliba 2 meses atrás
Uma palavra: brilhante!
Infelizmente o número de pessoas que analisa o que é ouvido/lido/ouvido/aprendido antes de replicá-lo é cada vez menor. A preguiça toma conta. A alienação é mais fácil - e gratuita.
Parabéns por mais um post daqueles para se pensar.
Abraço!
- Anaceciliaromeu 2 meses atrás
Querido amigo Almir,
perfeito! Excelente!
Vou pegar apenas um breve aspecto e geral..., o do senso crítico.
Especificamente aqui no Brasil, existe a cultura de que ser "esperto" é passar a perna nos outros, tirar vantagens; e não, você ler, assistir, assimilar informações tentando analisar os prós e contras, buscando mais fontes (que não sejam os fofoqueiros do bairro)!Pensar tem um preço caaaaro. É mais fácil aceitar, ou achar engraçado o que é espalhado pelas redes sociais, mídias em geral.
Um exemplo, vi há pouco uma foto do Lula abraçado ao Gianechini, em uma visita do ex-presidente ao ator. Poderemos ter várias abordagens para o fato, uma possível poderia ser discorrer sobre a doença, até aprofundarmos num questionamento sobre pesquisas de céulas-tronco, etc...
Mas a mais provável será algo do tipo "Lula e Gianechini sem cabelos, posam para foto no hospital", etc... ou qualquer outra coisa que torne o fato engraçado, e logo, logo a foto estará, se já não está espalhada pelas redes sociais, sujeita a versões mais engraçadinhas e criativas, e só.
Sai um pouco do assunto, mas ficando nele; apenas para pegar um aspecto.Beijinhos, te cuida :)
Nossa Ana a senhorita realmente tem uma Visão das coisas parabéns pra vc também, por saber apurar os Fatos...
- Deisecogoaraujo 1 mês atrás
Um amigo que morava no Japão, comentou comigo certa vez que o Imperador só se curvava para Médico, Lutador de sumo e professor! Tentei encontrar referências em relação a isto e não encontrei nada. Logo que incentivada pelo facebook!
Só para complementar, eu fui na página do facebook onde essa mensagem teve origem, o "professor por vocação" e perguntei ao dono se ele tinha alguma referência que pudesse fornecer sobre a frase, porque eu não tinha encontrado. Ele então me passou um link de um texto, cujo único trecho que faz alguma referência ao fato mencionado é: "o professor é o único profissional japonês a quem o imperador faz reverência em público", o que é diferente. Quando eu disse que a minha preocupação era quanto às interpretações dúbias que o trecho "numa terra que não há professores não pode haver imperadores" podia gerar, ele disse que acreditava que esse trecho seria a opinião de um educador (a mensagem diz que essa é a opinião dos japoneses).
Ou seja, não existe nenhuma base concreta para a frase do facebook.
- Bento Sales 1 mês atrás
Olá, amigo Almir!
Não há como negar a importância do professor para uma sociedade desenvolvida e justa, até mesmo seus antípodas sabem disso e os temem.
Se sentença fosse verdadeira, a sábia interpretação do amigo revelaria que é malévola à sociedade.
Os impérios requerem povo servil e alienado.
Obrigado por compartilhar conosco a elucidação do caso!Abraços!
- Jaime Guimarães 1 mês atrás
Oi, Almir!
Olha, muito boa a sua abordagem. Curiosamente escrevi no meu humilde bloguezinho exatamente sobre isso: as redes sociais e a falta de senso crítico do brasileiro - evidente que estou falando dos brazucas por ser a realidade que conheço e vivencio, não sei dos outros.
Quer ver outra frase que foi espalhando pelo Facebook, twitter e corrente de e-mails? Uma suposta frase do governador do Ceará, Ciro Gomes, sobre os professores: " Quem quer dar aula faz isso por gosto, e não pelo salário..."
Obviamente que tal expressão foi parar na boca de Aécio Neves, Geraldo Alckmin e outros "menos cotados". Sim, vivemos uma era em que a informação está disponível e facilitada para todos, mas é preciso saber o que fazer com tal gama de informações - eis o ponto central!
Tanto que as pessoas gostam de falar que o Brasil deveria se espelhar, como exemplo para a Educação, em países como Finlândia, Coréia do Sul e Japão. Ora, por favor! Em primeiro lugar, um país que tem os legados de Paulo Freire e Anísio Teixeira não precisa se espelhar em modelo nenhum, basta resgatar com seriedade os seus pensadores e idealizadores mais brilhantes em educação que tivemos - sou professor também e poderia citar outros grandes nomes, mas fico com estes dois emblemáticos; segundo... os nórdicos já produziam literatura lá pelo século XI, XII, tem uma longa trajetória, tem uma "base" que foi moldada e consolidada há tempos e isso se aplica aos países orientais citados, sobretudo ao Japão. Ora, enquanto aqui no Brasil colônia e império tínhamos lutas, escravatura, sangue e aquele monte de privilégios para as cortes, o Japão passou uns 200 anos sem armas de fogo - mas os samurais e as espadas continuaram - e buscando o desenvolvimento de forma meio isolada, mais lenta, porém consistente - lembro de Bashô e seus hai kais no período em que os portugueses aqui fizeram sua colônia extrativista. E, terceiro, o Brasil é uma jovem democracia, sem muita noção do que seja cidadania e pela primeira vez em décadas não é governado por alguma ditadura ou não passa por algumas instabilidades políticas que outrora agitavam o país.
E, por último... quem já leu GEN - Pés Descalços, uma excelente HQ que fala sobre o day after japonês em Hiroshima quando lançaram a bomba, sabe que o Imperador é uma espécie de divindade da qual todos - todos - ouvem e obedecem. E fazem as reverências respeitosas, evidentemente.
Bom, eu ainda teria muito a escrever sobre o assunto - educação e professores - mas vou encerrar por aqui, momentaneamente. Muito bom o seu texto, gostei mesmo, parabéns!
Abraço!
Jaime Guimarães
http://grooeland.blogspot.com
Peço que o autor coloque o que tem de verdade na reação educação e império japonês.
ResponderExcluirGrato!
Cleudson