quarta-feira, 18 de agosto de 2010
Enquanto almoçava, acompanhei a telenovela que teve início na terça-feira. Novela eleitoral, que passa na TV duas vezes ao dia. Fico eu ali sentado tentando me passar por um cidadão quase comum - o que na realidade sempre fui e quero ser sempre -, mas um cidadão comum despido da ideologização que possuo. Não que um cidadão comum, qualquer que seja ele, seja um cidadão desideologizado. Jamais. Todos recebemos uma carga de ideologia, maior ou menor, e de valores, ao longo da nossa existência.
Mas, tentei ver com outros olhos, que não aqueles que a terra há de comer, mas com o olhar de alguém que procura entender e associar as mensagens transmitidas pela TV pelos diversos candidatos. Tudo parecia tão igual. Tudo parecia tão distante da nossa realidade. Os atores-candidatos apresentados como se fossem um de nós, porém com capacidades extraordinárias. Realizaram isso, realizaram aquilo e farão muito mais, dizem. Jogo de luz, música, imagens, tudo ensaiado qual artista de novela quando entra em cena.
No cotidiano real, o que vemos? Um fosso entre dois mundos, o dos ricos e o da maioria pobre da população. Divisão construída e apresentada diariamente como coisa "natural". Educadores mal remunerados, saúde pública incapaz de atender às demandas existentes, a insegurança pública em função das realidades sociais marcadas pela falta de perspectiva, de sonhos, pelos desencontros de uma sociabilidade trincada. A sociedade do capital, do mercado, do estado burguês, da mídia que reproduz a versão dos de cima, apenas.
Mas, na novela das eleições, espetaculosa, tanto quanto nos momentos finais das novelas da Globo, tudo se resolve. A realidade se transforma, e o pouco que ainda não foi feito pelo candidato, seja da oposição ou do governo, será feito após as eleições. Promessas que se renovam a cada quatro anos, num sistema que deseduca a população para a prática de uma real democracia de massas, participativa, popular e libertária.
Nem adianta dizer que todo o sistema está errado, o que seria uma redundância. Todo mundo sabe que está tudo errado, mas todos insistem em participar da forma que melhor lhes atende. Uns como candidatos, outros como assessores, outros na troca de um quilo de feijão pelo voto - ou de um saco de cimento ou de uma dentadura -, e uma outra parcela, que pretensamente procura escolher o candidato segundo critérios ideológicos.
Mas, a resultante continua a mesma, uma vez que o sistema não foi feito para ser corrigido, aprimorado, mas para ser reproduzido continuamente, a sustentar as bases de um mundo mercantilizado. A roda-viva, ou quase morta, continua girando sobre os nossos pescoços, enquanto apenas alguns poucos abocanham as maiores fatias do que todos produzimos.
Não estou dizendo com isso que devemos cruzar os braços e esperar o tempo passar. Cruzar os braços pra mim é fazer greve, e aí sim, tudo bem. Mas, penso em outra coisa. Primeiramente, refletir sobre as realidades que nos envolvem e de como somos usados ou de como usamos as coisas que acontecem construindo versões e visões de mundo que nem sempre correspondem àquilo que é. Quase nunca, aliás, correspondem. Incluindo esta análise pessoal de alguém inconformado. Não me conformo com o papel que atribuem a mim, enquanto dito cidadão, com direito de ir lá na urna e depositar um voto em alguém a cada quatro anos, num jogo de cartas já colocadas na mesa, onde terei oportunidade zero de mudar as regras desse jogo.
O único terreno em que posso mudar alguma coisa - eu e meus colegas - é o da nossa mobilização para a luta. Esta nossa luta não existe na novela eleitoral, onde os candidatos se apresentam como aqueles que realizarão todos os sonhos da humanidade que vive em Minas, no Brasil e no planeta. Acho que vou passar a ver filmes de super-homens ou de ação, aventura ou drama no horário eleitoral. São mais emocionantes do que a novela eleitoral, que espetaculariza a vida real e passa a quilômetros-luz dos conflitos e das realidades sociais existentes.
Não somos irresponsáveis a ponto de não entender que haja diferenças mesmo neste terreno espetacuoloso das eleições. É importante derrotar os candidatos da direita golpista, os demotucanos, ainda que saibamos que não haja uma alternativa sustentada por um forte movimento social autônomo e libertário. Mas, não tenhamos ilusões. Mesmo derrotando as figuras mais indesejáveis, teremos muito o que fazer, se não quisermos assistir à reprodução dessas novelas que nos atribuem papéis de eternos espectadores. Não me conformo com este papel. Ensinamos aos nossos alunos que devemos ser protagonistas da nossa própria história. E esta construção de palavras não encontra correspondência entre o nosso cotidiano e a novela eleitoral. Quiçá um dia tenhamos força, sabedoria e energia para mudá-la.
Postado por Blog do Euler às 19:59
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