terça-feira, 17 de agosto de 2010
O piso salarial e o futuro da carreira do magistério
Atendendo a pedidos de vários ilustres navegantes que visitam o nosso blog, entre os quais os professores Rômulo, Luciano e João Paulo, vou iniciar um diálogo aqui - ou retomar aqui, já que falamos muito sobre o assunto durante a nossa maravilhosa greve dos 47 dias - sobre o piso nacional do magistério.
Mais até do que isso, e aí aceitando a provocação do colega João Paulo, quero comentar também sobre a proposta da federalização da Educação pública no ensino básico. Então vamos lá.
* * *
O piso do magistério é uma conquista, não resta dúvida. Mas, até que se rediscutam e refaçam certas incorreções no texto deste piso, ele continuará inócuo, mais uma lei que não sai do papel. Vejamos alguns problemas do texto da lei aprovado em 2008 e que até hoje não é aplicado:1) o valor do piso. Valor irrisório, baixíssimo, de R$ 950,00, uma aberração, pois é o equivalente a menos que dois salários mínimos. O presidente da República, o ministro-chefe do MEC e os legisladores deveriam ter vergonha na cara larga deles ao votar e promulgar um piso ridículo para os professores, que para eles, no discurso, são os profissionais mais importantes do planeta. Preferimos ter menos importância no discurso e um salário que represente pelo menos um décimo do que ganha um deputado ou senador.
2) a jornada de trabalho. Foi outro equívoco da lei, ao estabelecer uma jornada de até 40 horas ligada ao ridículo piso de R$ 950,00. A lei deveria associar o valor do piso a uma das menores jornadas praticadas no Brasil - 16 ou 20 horas - e as demais jornadas ou se enquadrariam a esta ou pagariam proporcional a mais em caso de jornadas maiores: 24, 25, 30 ou 40 horas. A lei inverteu essa situação, associando o piso à maior jornada e oferecendo uma janela para que governantes mal intencionados, como os de Minas, dissessem que proporcionalmente à jornada de 40 horas já pagam o piso.
3) o tempo extraclasse. Foi uma das coisas acertadas dessa lei: impor pelo menos um terço da jornada como tempo extraclasse, para atividades fora da sala de aula, voltadas à pesquisa, preparação e correção de provas, reuniões nas escolas, etc. O ideal é que o tempo extraclasse seja de 50% da jornada de trabalho, como acontece nas universidades. Devemos continuar perseguindo não apenas o cumprimento de um terço do tempo - coisa que não se pratica em Minas - como também a ampliação do tempo extraclasse.
4) reajuste anual. A lei prevê o reajuste anual do piso, outra coisa correta. Mas, a interpretação da lei já gerou diferentes análises. Por exemplo: para o MEC o piso atualizado em 2010 deveria ser de R$ 1.020,00, enquanto que para a CNTE o piso deveria ser de R$ 1.312,00.
5) plano de carreira. A lei do piso indica a necessidade de planos de carreira nos estados e municípios, mas poderia ter avançado nesta área apontando regras comuns, como: valorização do título acadêmico com difernça entre 25 e 40% entre os níveis de formação; e valorização do tempo de serviço com percentuais estabelecidos nacionalmente, etc. Isso evitaria grandes diferenças regionais e criaria uma certa padronização no processo de valorização dos profissionais.
6) a famigerada LRF. O piso não prevê a retirada dos recursos do FUNDEB dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal e com isso oferece argumento jurídico aos administradores de não pagarem o piso, pois isso alcançaria os limites dessa lei. É outro ponto fundamental a ser discutido e alterado.
7) a ajuda da União. A lei prevê que, comprovada a impossibilidade de bancar o valor do piso, estados e municípios receberão auxílio da União para pagarem o piso. Reparem que essa parte da lei é altamente capciosa. Teoricamente tudo daria certo: os entes federados que não pudessem pagar recorreriam ao governo federal e este complementaria o pagamento da diferença. Na prática, nada disso aconteceu. Em primeiro lugar porque as brechas da Lei do Piso servem tanto para os estados e municípios quanto para a União. Assim, teoricamente falando (pelos critérios do MEC, em cujo titular desta pasta eu não confio), Minas Gerais já paga o piso e o governo federal não teria que dar nenhuma ajuda. Por outro lado, não há qualquer punição para os entes da federação que não cumprirem a sua parte. O correto seria explicitar: os estados e municípios que não comprovarem a impossibilidade de pagar o piso e não o pagarem terão as verbas da Educação suspensa até a regularização do pagamento e o prefeito (ou governador) será automaticamente processado criminalmente por omissão, com imediata perda do mandato, etc. Quero ver qual governador vai enrolar diante desta realiadade.
8) piso é piso. A lei traz o conceito do piso como sendo um valor cheio, sem penduricalhos, sobre o qual devem incidir as gratificações conquistadas ao longo dos anos. Mas, alguns infelizes governadores entraram com uma ADIn no STF reivindicando que os penduricalhos fizessem parte do piso. Liminarmente, ainda sem julgar o mérito, o STF que briga por um teto acima dos 30 mil reais mensais para os ministros daquela Casa, aceitou o pedido dos governantes. É preciso lutar para que o piso seja piso realmente e não piso mais penduricalhos.
Quanto à federalização, não é que eu seja contra, colega João Paulo, mas acho que essa mudança demandaria um longo tempo, quando é possível, no curto prazo, arrancar conquistas que assegurem uma carreira minimamente decente com o instrumental legal já existente. Se houvesse vontade política dos governantes para tal, tudo bem. Mas, eles podem usar este argumento para empurrarem com a barriga as mudanças que poderiam fazer agora, e não daqui a 10 ou 20 anos. Ninguém merece esta enrolação que fazem com os educadores.
Portanto, sintetizando, penso que a lei do piso ficaria boa para uso com as seguintes alterações (ou permanências):
1) valor atualizado em 2011: R$ 1.500,00 para uma jornada de 20 horas semanais para o professor de ensino médio. As demais jornadas existentes nos estados e municípios pagarão o valor proporcional a cada realidade (ex: jornada de 24 horas = R$ 1.800,00).
2) prazo de seis meses para implantação dos planos de carreira, com as seguintes regras básicas, entre outras: promoção por título acadêmico com percentual de 25% e progressão por tempo de serviço (de dois em dois anos) com percentual de 4%. No posicionamento dos servidores será respeitado o tempo de serviço já trabalhado. (Assim, um professor em início de carreira com curso superior em Minas Gerais receberia um piso de R$ 2.250,00).
3) os recursos do piso serão custeados pelo FUNDEB de cada ente federado, devendo ser complementado pela União, comprovada a impossibilidade financeira de estado ou município de pagar o valor do piso.
4) os recursos do FUNDEB ficam retirados dos limites da LRF.
5) tempo extraclasse mínimo obrigatório de um terço da jornada praticada, devendo avançar paulatinamente para pelo menos 50% desta jornada.
6) o piso será reajustado anualmente, no mês de janeiro, com a somatória de dois percentuais: o PIB - desde que seja positivo - e o índice oficial da inflação.
7) a jornada máxima praticada, incluindo para quem tenha dois cargos previstos em lei, não poderá ultrapassar a 40 horas semanais.
8) o valor do piso é valor cheio, sem as gratificações constantes dos planos de carreira, conquistadas em cada rede.
9) o administrador que negligenciar na aplicação imediata da lei, terá o mandato suspenso, respondendo por crime lesa-humanidade perante os tribunais da justiça brasileira e internacionais.
Resolvidas essas questões, se quiserem discutir a federalização a médio ou longo prazo, sem mexerem com os direitos adquiridos, tudo bem, aí eu topo.
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Incorporo ao texto principal os dois ótimos comentários dos colegas João Paulo e Rômulo, para enriquecer ainda mais este importante debate:
"Prezado amigo Professor Euler
Li suas proposições e concordo que elas são necessárias para nós, mas veja uma coisa. Para sabermos se vamos ou não receber de acordo com a lei, primeiro é preciso saber se a Ação Direta de Inconstitucionalidade será declarada procedente ou improcedente.
Se ela for declarada procedente, será uma paulada que nós vamos receber, pois com a garantia da lei, eles poderão inclusive congelar os nossos salários, talvez até pior. Talvez o STF os autorize a pagar estritamente de acordo com a lei o Piso Salarial por 40 horas, e quem tiver recebendo mais do que isso passaria a receber menos. [não esqueçam que o STF é que declara a constitucionalidade das leis, e que ele pode inclusive flexibilizar o princípio da irredutibilidade dos salários]. Se for declarada improcedente, aí sim podemos ter esperança. Mas o pior é que a gente nem sabe quando isso será votado.
Quando cursei Direito na UNIPAC, em Barbacena, meus professores me diziam que o STF recebe processos do Brasil inteiro, e que já estão na casa dos milhões. Desse modo a decisão é muito demorada. Nem mesmo as súmulas vinculantes, que obrigam a dar a mesma decisão a vários processos iguais, tem garantido a desobstrução. Pode levar anos. Os governadores não irão aceitar nos pagar mais antes da decisão do STF. Penso que se em vez dessa lei, eles já tivessem feito a federalização, que aliás, a Espanha já fez, já estaríamos recebendo tudo isso e até mais. E não estaríamos reféns dos governadores e prefeitos que dizem para nós que não podem nos aumentar porque a lei manda pagar melhor a Polícia. E para os policiais, dizem que não podem reajustar seus soldos porque tem obrigação legal de pagar o piso aos professores. Com isso jogam as categorias uma contra a outra. E aí ficamos pensando que os policiais são uns marajás, e eles pensando que nós somos marajás do serviço público. No fim de contas, todos estamos em penúria.
O pior de tudo é que se entrar um Mares Guia ou um Wellington Salgado da vida na SEE-MG, nós não vamos ter reajuste algum, muito menos federalização, pois você acha que eles vão querer que a União assuma o controle da Escola Pública e que esta vá concorrer vitoriosamente contra suas escolas?
Nós também temos que pensar uma coisa. Se Hélio Costa ganhar e Anastasia preparar uma bomba de efeito retardado para ele? Tipo, apostilar milhares de funcionários com altos vencimentos e inviabilizar qualquer política de reajuste para os professores? Foi assim que o Martim Andrada (irmão do Lafaiete Andrada) fez em Barbacena, apostilou os amigões dele na prefeitura, assegurou-lhes vitaliciedade, e agora a Prefeita Danuza não pode dar nem 2% de reajuste aos professores porque cai na Lei de Responsabilidade Fiscal. O máximo que ela conseguiu foi revogar a lei. Ou seja, para alguns marajás ganharem, condenaram todos os professores à penúria. Isto é típico do PSDB.
João Paulo Ferreira de Assis"
* * *
"Colocando mais água no feijão:
1 - Piso salarial Nacional do Educador(a) ou da Educação Pública. Essa deve ser a nomenclatura utilizada. Auxiliar de serviços gerais, cantineira, secretária também são educadores. Devemos sempre ter em mente a não separação do trabalho intelectual do trabalho manual.
2 - Valor inicial do Piso: o apontado pelos cálculos do Dieese. E por que isso? Por que está na constituição brasileira. Se acusarem de ser fora da realidade orçamentária dos Estados e Munícipios, que haja o complemento da União. Para isso, uma bandeira histórica dos lutadores sociais deve ser desfraldada: 10% do PIB já para educação pública.
3- Como muito bem apontado pelo Conviva Euler, Piso é Piso e ponto final. Não venham deturpar o conceito de piso, querendo recheá-lo. Temos cérebro e sabemos muito bem o que é piso salarial!
4 - A jornada de trabalho é de 20hs/semanais, sendo 1/3 para planejamento. Nesses números devemos ceder pouco.
Agora onde a porca torçe o rabo:
Mobilização, união e organização para alcançarmos um Piso Salarial da Educação decente e digno.
Onde está a CNTE?
Somente pressinonar o STF é o caminho?
Acredito que um bom passo está sendo dado. Educadores da base, não vinculados a interesses eleitoreiros, estão começando a provocar reflexões.
Em todos nossos espaços é necessário continuarmos provocando reflexões, coletivamente debatendo ideias e com a paciência necessária caminharmos em direção a uma luta nacional.
Se a CNTE quiser ir "pro pau" com a classe, será bem-vinda. A reboque da paralisia é que não dá mais pra ficar!
Rômulo"
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