QUARTA-FEIRA, 28 DE SETEMBRO DE 2011
Educadores suspendem a maior greve da história de Minas
Após 112 dias de uma heroica greve, educadores suspendem a maior greve da História de Minas. Governo reconhece o direito ao piso na carreira e faz proposta de pagamento escalonado, entre 2012 e 2015. Detalhes serão negociados por uma comissão formada por sindicato, deputados e governo. Designados não serão demitidos. Houve pequenos avanços em relação ao que era admitido pelo governo, mas ainda não é aquilo que defendemos. Mas, a categoria em assembleia, analisando o desgaste de manter a greve por mais tempo, e com o risco de demissão dos designados - e considerando que o governo se comprometeu a retirar o projeto de lei que acabaria com a carreira dos educadores -, aprovou, por maioria, a proposta do governo.
Foi um dia de luta e de negociações.Quando chego na ALMG, qual era o cenário? De um lado, uma dezena de barracas, onde nossos bravos guerreiros passaram toda a semana em vigília. Na entrada daquela Casa, os colegas Marilda e Abdon, em greve de fome desde o dia 19. No plenário principal, cerca de 30 educadores acorrentados desde o dia 26 à tarde. E no pátio da ALMG, milhares de educadores e apoiadores, à espera do início da assembleia da categoria. E finalmente, a direção do sindicato reunia-se com deputados que estabeleceram negociações com o governo.
Uma reunião demorada, que levou toda a tarde. Somente no final da tarde é que tivemos a informação que a comissão do sindicato estaria a caminho para trazer uma proposta do governo.
Mais cedo um pouco eu andei pelo pátio e conversei com bravos guerreiros e guerreiras de todas as regiões. As informações que eu recebia, pelo menos a maioria delas, não eram muito animadoras: boa parte da categoria em greve, após a decisão do TJMG e do STF pela abusividade da greve, somando-se às ameaças de demissão pelo governo, estaria retornando ao trabalho. Mas, era possível dizer que o NDG ainda estava lá, firme e disposto a manter a greve.
É preciso aqui reconhecer que uma parte muito expressiva da nossa categoria, que permaneceu em sala de aula, não teve uma compreensão da importância da nossa luta, e com isso acabou contribuindo para as investidas do governo.
Durante 112 dias, ouvimos do governo que sua prioridade absoluta era o subsídio, que o piso estava em extinção, e quando foi obrigado a dar alguma prova de que pagava o piso, enviou aquele projeto de lei que iguala os 712,00 para todos.
A expectativa da categoria em assembleia era a de que o governo apresentasse alguma proposta decente. Afinal, se estávamos desgastados, o governo estava pressionado. Mas, mesmo assim, era um expectativa que imediatamente se transfigurava em descrença de que o governo pudesse apresentar qualquer coisa.
Logo que chegou da reunião com uma comissão dos deputados, que por sua vez estiveram com o governo, a coordenadora do sindicato leu a proposta do governo para os trabalhadores em assembleia.
Antes, porém, fiel à descrição do cenário da assembleia, é preciso registrar a presença de valorosos apoiadores, que chegaram em colunas durante à tarde: estudantes, sem-terra, e trabalhadores de várias categorias, promovendo uma bonita confraternização entre os de baixo. A nossa greve conseguiu construir uma importante unidade de vários movimentos e grupos sociais e políticos, que precisa ser preservada e aprofundada.
A proposta do governo era mais ou menos a seguinte: o governo reconhecia o nosso direito ao piso na carreira. O que não deixou de ser um avanço, já que até então isso não acontecera. Mas, ao invés de pagar o piso imediatamente, como defendemos, o governo se comprometia a pagar o piso na carreira de forma escalonada, entre 2012 e 2015. Nisso o governo seguiu a mesma lógica que adotou com as polícias militar e civil e Corpo de Bombeiros, e também com o subsídio.
Para discutir e negociar os detalhes da aplicação do piso na carreira seria formada uma comissão, composta por membros do sindicato, deputados e o governo. Essa comissão realizaria a primeira reunião já na quinta-feira.
O sindicato teria conseguido incluir, entre os pontos citados, a não demissão dos designados, o que fora aceito pelo governo. De acordo com o governo, cerca de 250 designados seriam demitidos nesta quarta-feira. A aceitação da proposta do governo pela categoria suspenderia essas demissões.
O sindicato teria solicitado ainda a inclusão de dois itens, que até o momento não foram aceitos pelo governo, mas que poderão fazer parte da negociação com a citada comissão: o pagamento de salário, em outubro de 2011, para os grevistas; além da anistia total em relação aos 112 dias de greve.
Em suma, o governo reconhece o direito ao piso, aceita não destruir a carreira, mas adia o pagamento do piso, o que se daria de forma escalonada.
Claro que a proposta não atendia àquilo que buscávamos. Mas, naquele momento, percebia-se que o que estava em jogo ali era uma análise da nossa capacidade de resistir mais uma, duas, ou três semanas, sem salário, com os designados ameaçados ou demitidos, e a greve enfrentando um momento de refluxo em função das decisões do TJMG e do STF e de outras pressões.
Seria possível manter a greve com o núcleo duríssimo da greve? Sim, seria possível. Mas, isso poderia levar a um desgaste desnecessário, sem perspectiva de vitória a curto prazo. Nosso maior problema, naquele instante, não era tanto em relação ao governo e sua máquina, mas em relação à nossa própria categoria. Parte expressiva dela não aderiu à greve desde o começo. Uma outra parte aderiu depois. Mas, nos últimos dias, boa parcela dos colegas em greve começaram a retornar, por conta das decisões judiciais citadas, e das pressões de alguns diretores de escola, dos substitutos e também por conta da fragilidade política, ficando à mercê das propagandas do governo.
O comando Estadual de greve, do qual participei, avaliou que era o momento de propor para a assembleia a suspensão da greve. Uma espécie derecuo estratégico, que acontece nas lutas sociais. Quando não se tem força para vencer um inimigo poderoso numa batalha, busca-se recuar, acumular força, para depois golpeá-lo.
Então eu vejo a decisão tomada pela categoria em assembleia nem tanto como uma aceitação da proposta do governo, mas como o reconhecimento da nossa impossibilidade de continuar em greve por um tempo maior. Continuar não apenas por continuar, mas com força suficiente para impor uma derrota ao inimigo. Se a greve se esvaziasse por si, sem uma retirada coletiva e deliberada em assembleia, o desgaste da categoria seria maior. Ao contrário, a suspensão da greve de forma organizada, com um compromisso de negociação com o governo em andamento, propiciaria uma retomada da luta com mais vigor, se necessário for.
Pude perceber que muita gente não concordou com a decisão tomada. Temos que respeitar essa posição. Mas, devemos fazer um esforço para manter a nossa unidade e entender a nossa luta como um processo que não para. Numericamente, algo em torno de 25% da assembleia queria continuar a greve. Mas, a grande maioria votou em favor da suspensão com esta compreensão que eu procurei explicar. Mas, de maneira alguma se abriu mão do piso. Até porque nós temos elementos que nos favorecem para um período próximo. Vejam:
a) em janeiro haverá novo reajuste no valor do piso, que é determinado pelo MEC e que terá que ser aplicado automaticamente pelos estados e municípios;
b) em 2012, Minas passa a receber verba extra de R$ 1,2 bilhão para o FUNDEB, e com isso poderá requisitar a respectiva complementação dos recursos pela União - o que abre a possibilidade para pressionar o governo a pagar o piso integral em 2012;
c) em breve, o acórdão do STF terá transitado em julgado, com as definições precisas acerca do cumprimento da Lei do Piso.
Logo, podemos dizer que a greve fora suspensa, mas a luta pelo piso na carreira continua. Dentro em breve terá reunião da comissão de negociação com o governo, depois reunião do Comando geral e nova assembleia geral da categoria para avaliar e votar os encaminhamentos e propostas.
Infelizmente, a vida mostra que não se consegue arrancar todas as reivindicações numa só luta. Uma coisa é a nossa vontade; outra coisa a nossa possibilidade real. Há um processo em curso, que envolve a correlação de força entre as partes. Na avaliação da categoria, considerando a correlação de força atual, com os aspectos políticos e jurídicos que a cercam, era preciso suspender a paralisação.
Mas, a nossa greve trouxe outros elementos que não podemos desprezar. Entre eles, a nossa auto-organização pela base, o desmascaramento do conteúdo dos poderes constituídos, da mídia, e da cumplicidade entre os diversos governos para nos esmagar. Conseguimos apoio à nossa causa e podemos trabalhar isso melhor até transformar a nossa luta numa grande causa regional e nacional.
Todos nós, que participamos da greve, temos o direito e o dever de retornar à sala de aula de cabeça erguida, porque tivemos coragem de lutar por nossos direitos. Outros, certamente, não terão essa possibilidade.
Há outras perspectivas que gostaria de discutir com vocês mas, nesse momento meus olhos já começam a pesar e o sono me arrasta para a cama... Continuo, portanto, amanhã.
Retomo agora, às 09:42, quando acordei, para terminar o texto acima.
Desejo, em primeiro lugar, parabenizar e agradecer a todos e todas os/as bravos e bravas colegas de luta, que tiveram a coragem de lutar, de participar dessa heroica greve durante os 112 dias da maior greve da categoria em Minas em todos os tempos.
Nenhum de nós que lutou bravamente nestes 112 dias tem o direito de se sentir derrotado. Pelo contrário. Nós conquistamos o dever moral de andar com cabeça erguida; provamos que sabemos lutar, que não nos intimidamos ante às chantagens e ameaças do governo.
A nossa greve realizou feitos que merecem ficar registrados para muitas gerações. Tivemos os nossosacorrentados em todo estado de Minas, uma forma pacífica e original de revelar a realidade em que vivíamos; tivemos ocupações de rodovias e do plenário da ALMG - coisa que não me lembro que tenha acontecido na história recente de Minas; tivemos greve de fome, por dois corajosos colegas, Marilda e Abdon; realizamos, durante estes 112 dias, uma verdadeira guerrilha virtual contra o governo, com dezenas dos nossos contra-atacando o governo a cada momento nas redes sociais; realizamos quase duas dezenas de assembleias com milhares de pessoas, com gigantescas passeatas pelas ruas da Capital e do Interior; enfrentamos o Batalhão de Choque da PM; resistimos durante 112 dias aos cortes de salários, às pressões e chantagens pela mídia; revelamos o conteúdo deste e de outros governos, que se uniram em cumplicidade para nos negar o piso e nos massacrar; revelamos o conteúdo da mídia a serviço dos de cima, e dos poderes constituídos, que atuam como linha auxiliar do governo.
Enfim, entendo que não conseguimos arrancar aquilo que é nosso direito e pelo qual iniciamos a nossa luta - o piso salarial implantado na carreira imediatamente - mas, essa possibilidade ainda está colocada. Não perdemos a carreira. E muito menos a guerra pelos nossos direitos. E acima de tudo, não perdemos a dignidade.
Quero agradecer de coração a cada um e a cada uma dos e das bravas e bravos colegas, de todas as partes de Minas, aos quais encontrei nas nossas assembleias semanais. E mesmo os que não pude encontrar pessoalmente, mas com os quais convivi durante todos estes dias. Não vou citar aqui agoraos nomes de pessoas e cidadesporque cometeria a injustiça de esquecer de muitos e muitas. São centenas de pessoas maravilhosas, encantadoras, lindas, que conheci, abracei, compartilhei sonhos e incertezas e convivi, através deste espaço, durante cada minuto passado destes 112 dias.
VOCÊS SÃO OS MEUS HERÓIS!!!
Obrigado, portanto, a todos e todas, que não perderam a capacidade de sonhar, de acreditar no sonho e lutar em defesa dos nossos direitos.
Podem contar comigo e com este espaço para o que der e vier. Continuaremos aqui acompanhando e analisando e criticando as negociações com o governo. Não vamos baixar a guarda. Nosso exército retorna inteiro, um pouco desgastado, é verdade, mas moralmente inteiro, de pé, e pronto para novas batalhas!
Parabéns a todos e todas os/as educadores/as de Minas e a todos os que nos deram apoio nestes dias, de Minas, do Brasil e do mundo. Saibamos manter e fortalecer essa corrente de apoio e solidariedade a todos os de baixo que lutam (lutamos) por interesses de classe comuns.
Um forte abraço a todos e força na luta! Até a vitória!
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