SÁBADO, 29 DE OUTUBRO DE 2011
Dados contábeis podem explicar a falta de recursos para a Educação em Minas Gerais
Lembro-me durante a nossa heroica greve de 112 dias, quando publiquei aqui no blog uma entrevista (acima) em vídeo do relator da lei do piso salarial, deputado Severiano Alves. De uma maneira bem objetiva ele disse que o valor do piso foi calculado por técnicos e que os repasses do FUNDEB deveriam cobrir os investimentos com o piso. De acordo com ele, os custos foram calculados detalhadamente, e que o não pagamento do piso era uma expressão da má utilização do dinheiro público pelos gestores dos entes federados.
Se este fosse um país sério, a Comissão de Educação da Câmara, do Senado, e dos legislativos estaduais e municipais teriam que convocar os governadores e prefeitos e respectivos secretários da Educação e da Fazenda para se explicarem: onde está o dinheiro da Educação? Como os senhores estão gastando esse dinheiro? Com quem? Por que os recursos da Educação não estão dando para pagar o mísero piso dos educadores de R$ 1.187,00, mesmo na sua forma proporcional à jornada existente em cada estado? Deve haver uma explicação.
É verdade que existem conselhos de controle social para fiscalizar os investimentos do FUNDEB em cada estado e município. Mas, na prática isso não funciona. Estes conselhos quase sempre são de fachada, sem qualquer capacidade técnica - e às vezes sem vontade política ou autonomia - para realizar uma efetiva fiscalização das contas. O resultado é que os governos usam os recursos da Educação da forma que lhes convém, quase sempre.
Há cerca de sete anos, mais ou menos, fiz parte de um conselho municipal do então FUNDEF, antecessor do FUNDEB, eleito que fui pelos colegas professores da rede municipal de Vespasiano, quando lá trabalhei. Cumpri meu compromisso com os colegas, fiscalizei tudo quanto pude, elaborando relatórios detalhados, apontando indícios de suposta má utilização das verbas do FUNDEF pelo poder público municipal. Entre estes indícios, folha salarial inchada com pessoas que não trabalhavam na Educação; excesso de pessoal contratado para atender a pedidos políticos dos vereadores da cidade; pagamento de débitos de gestão anterior (o que é proibido); a não aplicação correta dos 60% dos recursos do FUNDEF para os salários dos profissionais do magistério na ativa (aposentados não podem receber pelo fundo. Para isso, o poder público lança mão dos recursos da previdência ou da receita geral), etc. Encaminhei tudo para o MP, não sem antes tentar uma solução de correção dos erros diretamente com a administração pública. O MP praticamente ignorou o que enviei e no final da história, o único punido fui eu, já que isso, a posteriori, custou o meu cargo. Mas, tudo bem, faz parte. Ou melhor: fiz a minha parte, sem qualquer arrependimento - e faria novamente, quantas vezes fossem necessárias. Página virada, vamos em frente.
Estando já há um bom tempo sem analisar a legislação sobre o atual FUNDEB, que foi robustecida em matéria de recursos, percentuais de repasses e até de ampliação dos poderes dos conselheiros, não posso dizer como andam as coisas pelo Brasil afora. Mas, a julgar pelo conselho estadual do FUNDEB de Minas, no qual inclusive o nosso sindicato tem representante, é possível dizer quenão estamos muito bem em matéria de fiscalização e acompanhamento. Alguém aqui do blog já leu algum relatório detalhado sobre receitas e despesas do FUNDEB?
Fiz umas contas rápidas com base em alguns dados que são do conhecimento público e fiquei impressionado com o número de profissionais que constam atualmente da folha de pagamento do quadro de profissionais da Educação pública em Minas Gerais. Números são números. Quando não há transparência, é possível manipulá-los ao bel prazer. Mas, vamos seguir alguns dados, em voo livre feito pássaro - e portanto, sem o compromisso de uma análise técnica rigorosa.
A rede pública de Minas registra em torno de 2,3 milhões de alunos. Se dividirmos este montante por umamédia de 25 alunos por turmaencontraremos um total de 92.000 turmas espalhadas entre as 3.700 escolas da rede - o que dá uma média próxima de 25 turmas por escola. Mas,o que nos interessa aqui é o número total de turmas. Se considerarmos quecada turma de alunos precisa de 1,4 professor para preencher o calendário escolar semanal de 25 aulas (confiram: 1,4 professor x 18 aulas por semana = 25,2. Logo, numa escola com 25 turmas serão necessários 35 professores, ou um pouco mais em função das aulas fracionadas. Mas o número exato, inclusive em relação ao custo, seria de 35 professores).
Dentro desta lógica (que pode estar equivocada, corrijam-me, por favor, se estiver), para um total de 92.000 turmas seriam necessários exatos 128.800 professores para preencher o quadro total de docentes da ativa. Vamos considerar um percentual a mais de 20% sobre este montante para os colegas em ajustamento funcional e/ou em férias-prêmio e licenças, etc., o que totalizaria 154.560 profissionais. A este número, acrescentemos algo próximo de um terço para as demais carreiras de profissionais da Educação nas escolas, o que resultaria num total de 231.840profissionais da Educação na ativa, aí incluídos os colegas em ajustamento funcional. Este seria o que podemos considerar um número razoavelmente enxuto de trabalhadores para o tamanho da rede estadual. Nem vou incluir aqui o total de educadores aposentados, pois estes acompanham os mesmos critérios remuneratórios dos que estão na ativa, porém com fonte de financiamento assegurada pela receita geral do estado ou pela previdência, e não a do FUNDEB, que é somente para os profissionais da ativa.
Analisando a receita do FUNDEB da rede estadual de Minas para este ano (que pode ser consultada neste link:https://www17.bb.com.br/portalbb/djo/daf/Demonstrativo,802,4647,4651,0,1.bbx), constatamos que houve o repasse, originado das receitas arrecadadas, de uma média mensal de R$ 410 milhões - o que projeta um total anual de R$ 4,92 bilhões. Será esta a receita total do FUNDEB de Minas para o ano de 2011. Mas a receita total da Educação é superior a este valor, pois o FUNDEB representa, se não me engano, 20% das receitas, enquanto a receita total da Educação tem que ser de pelo menos 25%, de acordo com a Carta Magna do país.
Talvez a receita do FUNDEB alcance um pouco mais, pois os dois últimos meses do ano são marcados por um aquecimento na economia em função do 13º salário. Mas, considerando o valor indicado e dividindo pelo número de profissionais da educação da ativa (R$ 4,92 bilhões / 231.840 educadores na ativa), encontraríamos uma média de R$ 21.221,00 por cada profissional da Educação durante o ano de 2011. Claro que se você considerar que boa parte dos professores tem dois cargos, a lógica é que o número total de professores seja menor do que aquele encontrado, e cada professor com dois cargos teria, em média, o dobro do valor mencionado, ou seja,uma renda anual próxima de R$ 42.442,00 - aí incluídos os encargos sociais. Como estamos falando demédia aritmética simples, é importante considerar as diferenças existentes na categoria. Por exemplo, a maioria hoje encontra-se em início de carreira (até 10 anos de serviço, composta por efetivos, efetivados e designados), que recebe sempre o valor inicial da tabela. Uma outra parte é composta por auxiliares de serviço (algo próximo de 10 a 15% do montante de profissionais da Educação) cuja remuneração está abaixo da remuneração dos professores.
Então, é possível concluir, a grosso modo, que tem razão o deputado Severiano Alves, quando afirma que os recursos do FUNDEB, se bem aplicados, dariam para pagar o piso salarial dos educadores dos estados e municípios. Ou, pelo menos, os recursos ficariam muito próximos do necessário, devendo a parte que falta ser complementada pela União.
Diante do exposto, neste rápido - e sujeito a erros - texto de análise, perguntamos: por que a matemática apresentada é diferente da realidade? Talvez porque haja um número muito grande de servidores que recebe pela Educação, mas que na verdade não é da Educação, mas de outras áreas do estado. Uma outra hipótese: o estado de Minas pode estar usando os recursos do FUNDEB para pagar os salários de grande número de aposentados, que já deveriam estar recebendo pela receita geral (inclusive daquela parte dos 25% não incluída no FUNDEB) ou previdenciária do estado.Uma terceira hipótese, seria a utilização das verbas da Educação para outros fins, inclusive obras e contratações de serviços de terceiros, que não se enquadrariam no perfil destinado aos recursos do FUNDEB e da Educação básica como um todo. Deve haver outras possibilidades. Mas, somente uma auditoria autônomapoderia responder a estas dúvidas ou hipóteses.
Mas, nós estamos em Minas Gerais, se é que ainda se lembram deste pequeno grande detalhe - ou será possível esquecê-lo? E por aqui... Bom, por aqui, TCE, MP, Conselho de FUNDEB, Legislativo, grande mídia, enfim, são instrumentos que em nada lembram uma verdadeira república.
Logo, continuemos a nossa luta para arrancar na negociação, ou na lei, ou na marra, o piso salarial a que nos pertence. É direito legal e legítimo. Há recursos próprios para financiar o piso. E dele não abriremos mão, assim como não abriremos mão também daparte da nossa remuneração confiscada em 2011 com a redução ilegal do nosso salário nominal, além dos cortes durante a greve. Não temos o direito de abrir mão dos nossos direitos de classe.
Um forte abraço a todos e força na luta! Até a nossa vitória!
***
Nenhum comentário :
Postar um comentário