sábado, 27 de novembro de 2010
BLOG DO EULER: SOBRE A BATALHA NO RIO DE JANEIRO
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
A batalha no Rio é resultado da exclusão dos de baixo
Do brilhante cartunista Latuff
O que acontece hoje no Rio de Janeiro não deve ser visto com perplexidade. Nem mesmo se deve lançar um olhar apressado, com as lentes míopes dos recortes da mídia burguesa. A primeira conclusão a que chegamos, diante dos combates entre os aparatos armados do tráfico e das polícias é que aquilo que ocorre no Rio de Janeiro é o resultado direto do massacre cotidiano da população de baixa renda pelo capital, e consequentemente pelo Estado e pelo mercado.
Décadas de abandono dos de baixo, de exclusão, de discriminação, produziram uma forma dita marginal de comércio e tráfico de drogas, ligada ao mercado tanto quanto qualquer outra forma de tráfico de mercadoria, embora formalmente considerada criminosa. Quantas outras formas criminosas de tráfico são cometidas diariamente por bandidos de colarinho branco, que escapam impunes e são até mesmo bajulados pela grande mídia? Claro que não queremos com esse argumento defender qualquer forma de crime, ou de bandidos, sejam os do tráfico de drogas, das milícias paramilitares, ou de banqueiros ou políticos corruptos .
Mas, não podemos deixar de perceber que esta realidade que atinge a Cidade Maravilhosa é uma realidade socialmente construída pela reprodução do capital, com as bençãos das elites, que cinicamente cobram mais polícia, mais repressão, mais cadeia, como se isso fosse a solução para os problemas vividos naquele estado e nos demais.
O que falta ali, como aqui, é mais investimento na Educação Pública, na Saúde pública, na construção de moradias para as pessoas de baixa renda, na criação de projetos de arte, cultura, lazer para a criançada e políticas de geração de emprego; na criação de uma mídia comprometida com as culturas regionais e com a democracia, e não essa mídia criminosa, que impõe valores consumistas, egoístas e preconceituosos através das novelas, jornais e programas diários, e que fecha os olhos para os reais problemas sociais dos de baixo.
As novas gerações, despolitizadas, deseducadas, tragadas por uma cultura de identidades fugidias e trincadas pelo consumismo vazio acabam embarcando no crime organizado como meio de cortar caminho para a propaganda enganosa do poder e do consumo de luxo como passaporte para o paraíso terrestre. Premida entre os destacamentos armados do tráfico organizado e o Estado a serviço de minorias privilegiadas, a população de baixa renda se sente acuada, órfã de projetos maiores de sonhos e de mudanças que empolgaram gerações de jovens de outras épocas.
No vazio de um mercado sem alma, sobram balas perdidas para todo lado e faltam solidariedade humana e utopias em busca de um mundo melhor para todos. Mas, não se iludam: os grupos armados pelo tráfico nas favelas são apenas arraia-miúda. Justificam os investimentos na segurança pública, e sobretudo na segurança privada; ajudam a eleger deputados demagogos que fazem coro ao cretinismo moralista de uma parcela saudosista da ditadura militar acostumada ao açoite nos de baixo e que agora clama por mais cadeias, no lugar de mais escolas e hospitais.
Devemos estar atentos para que, diante da realidade de exclusão própria do capitalismo, ao invés das soluções pela via de mais democracia e mais investimentos no social, ganhem força as idéias neo-fascistas do preconceito em relação ao diferente, aos mais pobres, e de mais polícia como solução para os problemas sociais. A segurança pública é necessária, neste contexto criado pelo capital, para proteger a comunidade; mas, a maior segurança ocorrerá quando as diferenças sociais não justificarem a prática de assaltos, de exclusão, de discriminação. Quando pudermos enfim andar livres e despreocupados pelas ruas de qualquer cidade do Brasil. Sem os muros dos condomínios fechados, nem as barreiras do crime organizado.
***
Incorporo ao texto central o comentário do nosso combativo colega e amigo professor Rômulo, um lutador, um guerreiro valente, que não perde a ternura. Torcemos pela recuperação da Clarice, cuja existência/resistência é um exemplo e nos torna ainda mais comprometidos com a luta por um mundo melhor para todos.
* * *
"Rômulo:
Primeiro gostaria de compartilhar um momento de alegria. Minha filha caçula, Clarice, depois de 01 ano e três meses internada, recebeu alta no último sábado dia 20 de novembro (Dia de Zumbi). Foi uma festa lá no barraco!
Hoje cedo me preparando para ir à Reunião do Conselho Geral do SINDUTE-MG, ao colocar a dieta da manhã em sua sonda (devido as sequelas neurológicas de seu câncer ela se alimenta via sonda) percebi que a mesma estava obstruída.
Corri com ela para a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) mais perto. De lá liguei para uma companheira que me disse que a primeira parte da reunião seria uma análise de conjuntura.
Não poderia estar presente nessa discussão, mas vivi uma manhã com um "CONJUNTURA" daquelas.
Na UPA não havia pediatra. E cirurgião pediátrico? Muito menos, meu senhor. E Cirurgião Geral? Também não. E uma enfermeira? Ainda não chegou.
Corri para o Hospital da Rede FHEMIG mais próximo. Tem cirurgião pediátrico? Não. E qualquer outra especialidade na área da cirurgia? Tem, mas para o caso da sua filha é só o cirurgião pediátrico.
Acabei tendo que retornar ao IPSEMG. Lá a Clarice já é conhecida, é a "Filha do Professor". Somente uma cirurgiã pediátrica de plantão para toda aquela imensidão de hospital. Demorou exatas 02 horas e 18 minutos. Na hora de trocar, o tamanho da sonda usada na Clarice não tinha no hospital. "Sondas são artigos de luxo no IPSEMG", disse a Clodilte, auxiliar de enfermagem. Adaptaram uma outra.
Voltamos para casa. Fiquei pensando nos milhares de brasileiros que não voltam por causa do não atendimento básico à saúde.
Chegamos em casa já eram quase 14hs. Não pude participar da discussão de análise de conjuntura. No caminho de volta ouvi no rádio que segundo o IBGE nos últimos 05 anos foram fechados 11.500 leitos de urgência no país.
Fiquei pensando: Será que algum camarada abordou isso na discussão?
O peito começou a doer. Só melhorou quando abri o PC e li a excelente reflexão do Companheiro Euler sobre o recrudescimento da criminalização da pobreza nas favelas do Rio.
O pulso ainda pulsa."
* * *
"S.O.S. Educação Pública:
Caro Euler
Comovente o relato do colega Rômulo, estimo as melhoras da valente Clarice e rogo a Deus forças a todos os pais e mães desse país, que além da doença dos seus filhos tem suas dores potencializadas pela precariedade da saúde pública. Infelizmente a mídia não dá destaque a esse tipo de violência, pois a mesma junto com as autoridades só entendem a palavra "violência" quando os bens materiais são ameaçados.
Aqui no Rio, a represa do descaso histórico com que a população de baixa renda vem sendo tratada transbordou. Graças a décadas de abandono e falta de recursos, o crime organizado proliferou nos grotões miseráveis e literalmente atingiu o asfalto. Em pânico a sociedade clama e aplaude a o uso da força bruta, iludida espera que a repressão resolva o problema. A grande maioria teme pelos bens materiais esquecendo-se que vidas continuam ameaçadas.
Gostaria que todo esse caos tivesse o efeito de despertar a nossa sociedade para cobrar das autoridades o respeito à vida e o direito à cidadania da população pobre, mas parece que todos estão focados apenas na supressão do sintoma, esquecendo-se de pedir remédio para erradicar as causas.
Ótimo fim de semana
Graça"
***
"João Paulo Ferreira de Assis:
Prezado amigo Professor Euler
Folgo em saber as boas notícias que o Professor Rômulo nos trouxe, apesar dos sustos. Mas quero dar minha palavra sobre o calvário do Rio de Janeiro, e nosso também (por que não? Afinal o Rio é porta de entrada para Minas, e nós pegamos as sobras na diminuição do número de turistas). Lá pelos anos de 1982, eu gostava de ouvir programas policiais. Tinha vezes que eu sintonizava na Rádio Capital SP, onde ouvi a triste história de um estuprador, tão triste que comoveu o Afanásio Jazadi, que era um grosso com os bandidos. Outras vezes eu sintonizava na Rádio Guanabara RJ, hoje Bandeirantes Rio. Lá tinha um reporter policial chamado Vilmar Pales. Este era um tremendo gozador. Ele criticava a corrupção dizendo que nas repartições de trânsito cariocas, se você desse um ''Castelo'' (nota de cinco mil cruzeiros) ganhava uma carteira de motociclista. Dois castelos, a de motorista. Três castelos, motorista de caminhão e ônibus, e quatro castelos, uma carteira para dirigir avião. Ele ia assim procurando diminuir a aspereza das más notícias que tinha de narrar. Lembro de um assalto em Olaria, em que os bandidos levaram até caminhão de mudança para carregar os teréns de um industrial. Anos depois aconteceu o mesmo com minha prima (duas vezes em 15 dias), sabe aonde? em Uberaba... As vezes ele comparava, Rio e Minas, com vantagem para nós. Um dia ele disse que para Belo Horizonte igualar um só fim de semana do Rio, precisava de seis meses... E explicava para os ouvintes, que o Rio era um estado sem lei, e Minas, sim, é que tem lei. Os mineiros são obedientes. Eu ouvia orgulhoso e deliciado os comentários do senhor Vilmar Pales, que agora estou manjando que queria os votos dos mineiros que moram lá. No mesmo ano foi eleito deputado federal pelo PDS.
Pois é, 28 anos atrás o Rio de Janeiro já era este caldeirão que estamos vendo.
Hoje, pelo visto, não posso mais me orgulhar de MG. Eduardo Azeredo na sua inepta administração conseguiu que os bandidos se transferissem para cá. E Belo Horizonte que era um oásis de paz hoje também padece, assim como Ribeirão das Neves e outras cidades vizinhas.
Como BH é diferente dos anos 40. Li na obra de M.A.Leandro, ''Sá Girarda'', uma biografia romanceada da sua avó, que esta estava dentro do bonde Padre Eustáquio (que se eu não me engano chamava Vila Futuro). Esta que estava com o seu cesto de quitandas que fazia para vender, notou uma moça aflita com os arreganhos de seu companheiro de poltrona, que a ia obrigando a se encolher. A velha perguntou: ''Moço, vancê tá assado? se vancê tá assado passa porvilho que sara, uai''. O homem não respondeu e a velha deu-lhe com a bengala no lombo. Foram todos para a cadeia, mas a velha foi liberada. O homem ficou preso.
Saudações, João Paulo Ferreira de Assis. "
***
Leiam também:
- S.O.S. Educação Pública: "ATÉ QUANDO VAMOS TER QUE ANDAR SOBRE O FIO DA NAVALHA?"
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