sábado, 7 de janeiro de 2012

CONTO:" AMOR", DE CLARICE LISPECTOR e interpretações variadas



Clarice Lispector


Amor

Clarice Lispector


Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

Os filhos de Ana eram bons, uma coisa verdadeira e sumarenta. Cresciam, tomavam banho, exigiam para si, malcriados, instantes cada vez mais completos. A cozinha era enfim espaçosa, o fogão enguiçado dava estouros. O calor era forte no apartamento que estavam aos poucos pagando. Mas o vento batendo nas cortinas que ela mesma cortara lembrava-lhe que se quisesse podia parar e enxugar a testa, olhando o calmo horizonte. Como um lavrador. Ela plantara as sementes que tinha na mão, não outras, mas essas apenas. E cresciam árvores. Crescia sua rápida conversa com o cobrador de luz, crescia a água enchendo o tanque, cresciam seus filhos, crescia a mesa com comidas, o marido chegando com os jornais e sorrindo de fome, o canto importuno das empregadas do edifício. Ana dava a tudo, tranqüilamente, sua mão pequena e forte, sua corrente de vida.

Certa hora da tarde era mais perigosa. Certa hora da tarde as árvores que plantara riam dela. Quando nada mais precisava de sua força, inquietava-se. No entanto sentia-se mais sólida do que nunca, seu corpo engrossara um pouco e era de se ver o modo como cortava blusas para os meninos, a grande tesoura dando estalidos na fazenda. Todo o seu desejo vagamente artístico encaminhara-se há muito no sentido de tornar os dias realizados e belos; com o tempo, seu gosto pelo decorativo se desenvolvera e suplantara a íntima desordem. Parecia ter descoberto que tudo era passível de aperfeiçoamento, a cada coisa se emprestaria uma aparência harmoniosa; a vida podia ser feita pela mão do homem.

No fundo, Ana sempre tivera necessidade de sentir a raiz firme das coisas. E isso um lar perplexamente lhe dera. Por caminhos tortos, viera a cair num destino de mulher, com a surpresa de nele caber como se o tivesse inventado. O homem com quem casara era um homem verdadeiro, os filhos que tivera eram filhos verdadeiros. Sua juventude anterior parecia-lhe estranha como uma doença de vida. Dela havia aos poucos emergido para descobrir que também sem a felicidade se vivia: abolindo-a, encontrara uma legião de pessoas, antes invisíveis, que viviam como quem trabalha — com persistência, continuidade, alegria. O que sucedera a Ana antes de ter o lar estava para sempre fora de seu alcance: uma exaltação perturbada que tantas vezes se confundira com felicidade insuportável. Criara em troca algo enfim compreensível, uma vida de adulto. Assim ela o quisera e o escolhera.

Sua precaução reduzia-se a tomar cuidado na hora perigosa da tarde, quando a casa estava vazia sem precisar mais dela, o sol alto, cada membro da família distribuído nas suas funções. Olhando os móveis limpos, seu coração se apertava um pouco em espanto. Mas na sua vida não havia lugar para que sentisse ternura pelo seu espanto — ela o abafava com a mesma habilidade que as lides em casa lhe haviam transmitido. Saía então para fazer compras ou levar objetos para consertar, cuidando do lar e da família à revelia deles. Quando voltasse era o fim da tarde e as crianças vindas do colégio exigiam-na. Assim chegaria a noite, com sua tranqüila vibração. De manhã acordaria aureolada pelos calmos deveres. Encontrava os móveis de novo empoeirados e sujos, como se voltassem arrependidos. Quanto a ela mesma, fazia obscuramente parte das raízes negras e suaves do mundo. E alimentava anonimamente a vida. Estava bom assim. Assim ela o quisera e escolhera.

O bonde vacilava nos trilhos, entrava em ruas largas. Logo um vento mais úmido soprava anunciando, mais que o fim da tarde, o fim da hora instável. Ana respirou profundamente e uma grande aceitação deu a seu rosto um ar de mulher.

O bonde se arrastava, em seguida estacava. Até Humaitá tinha tempo de descansar. Foi então que olhou para o homem parado no ponto.

A diferença entre ele e os outros é que ele estava realmente parado. De pé, suas mãos se mantinham avançadas. Era um cego.

O que havia mais que fizesse Ana se aprumar em desconfiança? Alguma coisa intranqüila estava sucedendo. Então ela viu: o cego mascava chicles... Um homem cego mascava chicles.

Ana ainda teve tempo de pensar por um segundo que os irmãos viriam jantar — o coração batia-lhe violento, espaçado. Inclinada, olhava o cego profundamente, como se olha o que não nos vê. Ele mascava goma na escuridão. Sem sofrimento, com os olhos abertos. O movimento da mastigação fazia-o parecer sorrir e de repente deixar de sorrir, sorrir e deixar de sorrir — como se ele a tivesse insultado, Ana olhava-o. E quem a visse teria a impressão de uma mulher com ódio. Mas continuava a olhá-lo, cada vez mais inclinada — o bonde deu uma arrancada súbita jogando-a desprevenida para trás, o pesado saco de tricô despencou-se do colo, ruiu no chão — Ana deu um grito, o condutor deu ordem de parada antes de saber do que se tratava — o bonde estacou, os passageiros olharam assustados.

Incapaz de se mover para apanhar suas compras, Ana se aprumava pálida. Uma expressão de rosto, há muito não usada, ressurgia-lhe com dificuldade, ainda incerta, incompreensível. O moleque dos jornais ria entregando-lhe o volume. Mas os ovos se haviam quebrado no embrulho de jornal. Gemas amarelas e viscosas pingavam entre os fios da rede. O cego interrompera a mastigação e avançava as mãos inseguras, tentando inutilmente pegar o que acontecia. O embrulho dos ovos foi jogado fora da rede e, entre os sorrisos dos passageiros e o sinal do condutor, o bonde deu a nova arrancada de partida.

Poucos instantes depois já não a olhavam mais. O bonde se sacudia nos trilhos e o cego mascando goma ficara atrás para sempre. Mas o mal estava feito.

A rede de tricô era áspera entre os dedos, não íntima como quando a tricotara. A rede perdera o sentido e estar num bonde era um fio partido; não sabia o que fazer com as compras no colo. E como uma estranha música, o mundo recomeçava ao redor. O mal estava feito. Por quê? Teria esquecido de que havia cegos? A piedade a sufocava, Ana respirava pesadamente. Mesmo as coisas que existiam antes do acontecimento estavam agora de sobreaviso, tinham um ar mais hostil, perecível... O mundo se tornara de novo um mal-estar. Vários anos ruíam, as gemas amarelas escorriam. Expulsa de seus próprios dias, parecia-lhe que as pessoas da rua eram periclitantes, que se mantinham por um mínimo equilíbrio à tona da escuridão — e por um momento a falta de sentido deixava-as tão livres que elas não sabiam para onde ir. Perceber uma ausência de lei foi tão súbito que Ana se agarrou ao banco da frente, como se pudesse cair do bonde, como se as coisas pudessem ser revertidas com a mesma calma com que não o eram.

O que chamava de crise viera afinal. E sua marca era o prazer intenso com que olhava agora as coisas, sofrendo espantada. O calor se tornara mais abafado, tudo tinha ganho uma força e vozes mais altas. Na Rua Voluntários da Pátria parecia prestes a rebentar uma revolução, as grades dos esgotos estavam secas, o ar empoeirado. Um cego mascando chicles mergulhara o mundo em escura sofreguidão. Em cada pessoa forte havia a ausência de piedade pelo cego e as pessoas assustavam-na com o vigor que possuíam. Junto dela havia uma senhora de azul, com um rosto. Desviou o olhar, depressa. Na calçada, uma mulher deu um empurrão no filho! Dois namorados entrelaçavam os dedos sorrindo... E o cego? Ana caíra numa bondade extremamente dolorosa.

Ela apaziguara tão bem a vida, cuidara tanto para que esta não explodisse. Mantinha tudo em serena compreensão, separava uma pessoa das outras, as roupas eram claramente feitas para serem usadas e podia-se escolher pelo jornal o filme da noite - tudo feito de modo a que um dia se seguisse ao outro. E um cego mascando goma despedaçava tudo isso. E através da piedade aparecia a Ana uma vida cheia de náusea doce, até a boca.

Só então percebeu que há muito passara do seu ponto de descida. Na fraqueza em que estava, tudo a atingia com um susto; desceu do bonde com pernas débeis, olhou em torno de si, segurando a rede suja de ovo. Por um momento não conseguia orientar-se. Parecia ter saltado no meio da noite.

Era uma rua comprida, com muros altos, amarelos. Seu coração batia de medo, ela procurava inutilmente reconhecer os arredores, enquanto a vida que descobrira continuava a pulsar e um vento mais morno e mais misterioso rodeava-lhe o rosto. Ficou parada olhando o muro. Enfim pôde localizar-se. Andando um pouco mais ao longo de uma sebe, atravessou os portões do Jardim Botânico.

Andava pesadamente pela alameda central, entre os coqueiros. Não havia ninguém no Jardim. Depositou os embrulhos na terra, sentou-se no banco de um atalho e ali ficou muito tempo.

A vastidão parecia acalmá-la, o silêncio regulava sua respiração. Ela adormecia dentro de si.

De longe via a aléia onde a tarde era clara e redonda. Mas a penumbra dos ramos cobria o atalho.

Ao seu redor havia ruídos serenos, cheiro de árvores, pequenas surpresas entre os cipós. Todo o Jardim triturado pelos instantes já mais apressados da tarde. De onde vinha o meio sonho pelo qual estava rodeada? Como por um zunido de abelhas e aves. Tudo era estranho, suave demais, grande demais.

Um movimento leve e íntimo a sobressaltou — voltou-se rápida. Nada parecia se ter movido. Mas na aléia central estava imóvel um poderoso gato. Seus pêlos eram macios. Em novo andar silencioso, desapareceu.

Inquieta, olhou em torno. Os ramos se balançavam, as sombras vacilavam no chão. Um pardal ciscava na terra. E de repente, com mal-estar, pareceu-lhe ter caído numa emboscada. Fazia-se no Jardim um trabalho secreto do qual ela começava a se aperceber.

Nas árvores as frutas eram pretas, doces como mel. Havia no chão caroços secos cheios de circunvoluções, como pequenos cérebros apodrecidos. O banco estava manchado de sucos roxos. Com suavidade intensa rumorejavam as águas. No tronco da árvore pregavam-se as luxuosas patas de uma aranha. A crueza do mundo era tranqüila. O assassinato era profundo. E a morte não era o que pensávamos.

Ao mesmo tempo que imaginário — era um mundo de se comer com os dentes, um mundo de volumosas dálias e tulipas. Os troncos eram percorridos por parasitas folhudas, o abraço era macio, colado. Como a repulsa que precedesse uma entrega — era fascinante, a mulher tinha nojo, e era fascinante.

As árvores estavam carregadas, o mundo era tão rico que apodrecia. Quando Ana pensou que havia crianças e homens grandes com fome, a náusea subiu-lhe à garganta, como se ela estivesse grávida e abandonada. A moral do Jardim era outra. Agora que o cego a guiara até ele, estremecia nos primeiros passos de um mundo faiscante, sombrio, onde vitórias-régias boiavam monstruosas. As pequenas flores espalhadas na relva não lhe pareciam amarelas ou rosadas, mas cor de mau ouro e escarlates. A decomposição era profunda, perfumada... Mas todas as pesadas coisas, ela via com a cabeça rodeada por um enxame de insetos enviados pela vida mais fina do mundo. A brisa se insinuava entre as flores. Ana mais adivinhava que sentia o seu cheiro adocicado... O Jardim era tão bonito que ela teve medo do Inferno.

Era quase noite agora e tudo parecia cheio, pesado, um esquilo voou na sombra. Sob os pés a terra estava fofa, Ana aspirava-a com delícia. Era fascinante, e ela sentia nojo.

Mas quando se lembrou das crianças, diante das quais se tornara culpada, ergueu-se com uma exclamação de dor. Agarrou o embrulho, avançou pelo atalho obscuro, atingiu a alameda. Quase corria — e via o Jardim em torno de si, com sua impersonalidade soberba. Sacudiu os portões fechados, sacudia-os segurando a madeira áspera. O vigia apareceu espantado de não a ter visto.

Enquanto não chegou à porta do edifício, parecia à beira de um desastre. Correu com a rede até o elevador, sua alma batia-lhe no peito — o que sucedia? A piedade pelo cego era tão violenta como uma ânsia, mas o mundo lhe parecia seu, sujo, perecível, seu. Abriu a porta de casa. A sala era grande, quadrada, as maçanetas brilhavam limpas, os vidros da janela brilhavam, a lâmpada brilhava — que nova terra era essa? E por um instante a vida sadia que levara até agora pareceu-lhe um modo moralmente louco de viver. O menino que se aproximou correndo era um ser de pernas compridas e rosto igual ao seu, que corria e a abraçava. Apertou-o com força, com espanto. Protegia-se tremula. Porque a vida era periclitante. Ela amava o mundo, amava o que fora criado — amava com nojo. Do mesmo modo como sempre fora fascinada pelas ostras, com aquele vago sentimento de asco que a aproximação da verdade lhe provocava, avisando-a. Abraçou o filho, quase a ponto de machucá-lo. Como se soubesse de um mal — o cego ou o belo Jardim Botânico? — agarrava-se a ele, a quem queria acima de tudo. Fora atingida pelo demônio da fé. A vida é horrível, disse-lhe baixo, faminta. O que faria se seguisse o chamado do cego? Iria sozinha... Havia lugares pobres e ricos que precisavam dela. Ela precisava deles... Tenho medo, disse. Sentia as costelas delicadas da criança entre os braços, ouviu o seu choro assustado. Mamãe, chamou o menino. Afastou-o, olhou aquele rosto, seu coração crispou-se. Não deixe mamãe te esquecer, disse-lhe. A criança mal sentiu o abraço se afrouxar, escapou e correu até a porta do quarto, de onde olhou-a mais segura. Era o pior olhar que jamais recebera. Q sangue subiu-lhe ao rosto, esquentando-o.

Deixou-se cair numa cadeira com os dedos ainda presos na rede. De que tinha vergonha?

Não havia como fugir. Os dias que ela forjara haviam-se rompido na crosta e a água escapava. Estava diante da ostra. E não havia como não olhá-la. De que tinha vergonha? É que já não era mais piedade, não era só piedade: seu coração se enchera com a pior vontade de viver.

Já não sabia se estava do lado do cego ou das espessas plantas. O homem pouco a pouco se distanciara e em tortura ela parecia ter passado para o lados que lhe haviam ferido os olhos. O Jardim Botânico, tranqüilo e alto, lhe revelava. Com horror descobria que pertencia à parte forte do mundo — e que nome se deveria dar a sua misericórdia violenta? Seria obrigada a beijar um leproso, pois nunca seria apenas sua irmã. Um cego me levou ao pior de mim mesma, pensou espantada. Sentia-se banida porque nenhum pobre beberia água nas suas mãos ardentes. Ah! era mais fácil ser um santo que uma pessoa! Por Deus, pois não fora verdadeira a piedade que sondara no seu coração as águas mais profundas? Mas era uma piedade de leão.

Humilhada, sabia que o cego preferiria um amor mais pobre. E, estremecendo, também sabia por quê. A vida do Jardim Botânico chamava-a como um lobisomem é chamado pelo luar. Oh! mas ela amava o cego! pensou com os olhos molhados. No entanto não era com este sentimento que se iria a uma igreja. Estou com medo, disse sozinha na sala. Levantou-se e foi para a cozinha ajudar a empregada a preparar o jantar.

Mas a vida arrepiava-a, como um frio. Ouvia o sino da escola, longe e constante. O pequeno horror da poeira ligando em fios a parte inferior do fogão, onde descobriu a pequena aranha. Carregando a jarra para mudar a água - havia o horror da flor se entregando lânguida e asquerosa às suas mãos. O mesmo trabalho secreto se fazia ali na cozinha. Perto da lata de lixo, esmagou com o pé a formiga. O pequeno assassinato da formiga. O mínimo corpo tremia. As gotas d'água caíam na água parada do tanque. Os besouros de verão. O horror dos besouros inexpressivos. Ao redor havia uma vida silenciosa, lenta, insistente. Horror, horror. Andava de um lado para outro na cozinha, cortando os bifes, mexendo o creme. Em torno da cabeça, em ronda, em torno da luz, os mosquitos de uma noite cálida. Uma noite em que a piedade era tão crua como o amor ruim. Entre os dois seios escorria o suor. A fé a quebrantava, o calor do forno ardia nos seus olhos.

Depois o marido veio, vieram os irmãos e suas mulheres, vieram os filhos dos irmãos.

Jantaram com as janelas todas abertas, no nono andar. Um avião estremecia, ameaçando no calor do céu. Apesar de ter usado poucos ovos, o jantar estava bom. Também suas crianças ficaram acordadas, brincando no tapete com as outras. Era verão, seria inútil obrigá-las a dormir. Ana estava um pouco pálida e ria suavemente com os outros. Depois do jantar, enfim, a primeira brisa mais fresca entrou pelas janelas. Eles rodeavam a mesa, a família. Cansados do dia, felizes em não discordar, tão dispostos a não ver defeitos. Riam-se de tudo, com o coração bom e humano. As crianças cresciam admiravelmente em torno deles. E como a uma borboleta, Ana prendeu o instante entre os dedos antes que ele nunca mais fosse seu.

Depois, quando todos foram embora e as crianças já estavam deitadas, ela era uma mulher bruta que olhava pela janela. A cidade estava adormecida e quente. O que o cego desencadeara caberia nos seus dias? Quantos anos levaria até envelhecer de novo? Qualquer movimento seu e pisaria numa das crianças. Mas com uma maldade de amante, parecia aceitar que da flor saísse o mosquito, que as vitórias-régias boiassem no escuro do lago. O cego pendia entre os frutos do Jardim Botânico.

Se fora um estouro do fogão, o fogo já teria pegado em toda a casa! pensou correndo para a cozinha e deparando com o seu marido diante do café derramado.

— O que foi?! gritou vibrando toda.

Ele se assustou com o medo da mulher. E de repente riu entendendo:

— Não foi nada, disse, sou um desajeitado. Ele parecia cansado, com olheiras.

Mas diante do estranho rosto de Ana, espiou-a com maior atenção. Depois atraiu-a a si, em rápido afago.

— Não quero que lhe aconteça nada, nunca! disse ela.

— Deixe que pelo menos me aconteça o fogão dar um estouro, respondeu ele sorrindo.

Ela continuou sem força nos seus braços. Hoje de tarde alguma coisa tranqüila se rebentara, e na casa toda havia um tom humorístico, triste. É hora de dormir, disse ele, é tarde. Num gesto que não era seu, mas que pareceu natural, segurou a mão da mulher, levando-a consigo sem olhar para trás, afastando-a do perigo de viver.

Acabara-se a vertigem de bondade.

E, se atravessara o amor e o seu inferno, penteava-se agora diante do espelho, por um instante sem nenhum mundo no coração. Antes de se deitar, como se apagasse uma vela, soprou a pequena flama do dia.


(Texto extraído no livro “Laços de Família”, Editora Rocco – Rio de Janeiro, 1998, pág. 19, incluído entre “Os cem melhores contos brasileiros do século”, Editora Objetiva – Rio de Janeiro, 2000, seleção de Ítalo Moriconi.)

Clarice Lispector: tudo sobre a autora e sua obra em "Biografias".


ANÁLISES:

1-Análise filosófica sobre o conto Amor, de Clarice Lispector

Sumário

1. O conto
2. O ser-idiota
3. O medo de pensar
4. O thaumazein do amor
5. O ovo e a galinha

1. O conto

Amor é uma narrativa de Clarice Lispector que cujo centro é uma mulher comum, Ana, casada, com os filhos crescendo. A vida era normal, "os filhos de Ana eram bons, uma coisa verdadeira e sumarenta. Cresciam, tomavam banho, exigiam para si, malcriados, instantes cada vez mais completos."

A vida de Ana era rotineira e feliz em seu apartamento no nono andar, costurava para os meninos, recebia o marido de volta em casa todas as tardes e os movéis empoeirados todas as manhãs "como se voltassem arrependidos". Um dia, foi às compras e, depois, cansada, subiu no bonde para voltar à casa. Recostou-se no banco, procurando conforto, num suspiro de meia satisfação. Revê sua vida: plácida, sem tempestades, tudo no lugar. Com o saco de tricô que ela mesma tecera ao colo, cheio de ovos frescos, Ana é apenas uma mulher que vai às compras. Mas vê, com o bonde parado, um cego que, tateando, no escuro de si mesmo, as mãos estendidas para a frente, sorri.

A partir daí, Ana tem sua epifania, revelação da vida. Descontrolada emocionalmente, perde o ponto onde deveria descer. Desce no Jardim Botânico e lá permanece, com a alma em estado de sobrelevação, por toda a tarde, até que anoiteça e se veja sozinha. Grita para que abram o portão e arfante chega à casa, onde faz um jantar às pressas para a família. Durante o jantar, não presta atenção a nada, a vida está modificada, o homem mascando chiclete, a cegueira e a vida, a certeza de que a humanidade sofre. Aperta o filho a ponto de assustá-lo e, quando todos se vão, diante do espelho, ouve o fogão dar um estouro. Era um defeito do fogão, mas que a traz de volta para a vida cotidiana. Abraça o marido, diz que não quer que ele sofra (ela mesma estava sofrendo por ter descoberto o mundo). Ele ri, e ela, antes de dormir, sopra a flama do dia.

2. O ser-idiota

A filósofa Hannah Arendt afirmou que "uma vida vivida na privatividade do que é próprio ao indivíduo (idion), à parte do mundo comum, é 'idiota' por definição"[1] e "para o indivíduo, viver uma vida inteiramente privada significa, acima de tudo, ser destituído de coisas essenciais à vida verdadeiramente humana: ser privado da realidade"[2]. Portanto, se, no fundo, "Ana sempre tivera necessidade de sentir a raiz firme das coisas" e "fazia obscurantemente parte das raízes negras e suaves do mundo", alimentando "anonimamente a vida", Ana era idiota por definição.

Alude-se, aqui, à metáfora da árvore cujas raízes representam a vida obscura e anônima de Ana, que entretanto é o sustentáculo da sobrevivência daquilo que se vê de árvore em plena luz, a vida pública. Em meio à crise, que pôs em xeque seu idiotismo, Ana sente o Jardim [Botânico] ser tão bonito a ponto de ter "medo do inferno" e é bem provável que essa sensação esteja conectada ao suplício de uma vida privada e subterrânea. Sua casa fica no nono andar e o nono círculo do Inferno, segundo a Divina Comédia de Dante Alighieri, é o último e mais subterrâneo de todos os círculos infernais.

3. O medo de pensar

O que significa pensar? "A característica principal do pensamento é interromper toda ação, todas as atividades habituais, sejam elas quais forem"[3]. Valéry resume bem essa idéia ao dizer "tantôt je suis, tantôt je pense"[4]. Sem ser platônico, poderíamos de fato dizer que há dois mundos: o do pensamento e o das atividades habituais do cotidiano. É a faculdade de pensar o meio pelo qual o homem voluntariamente se retira desse mundo.

O sossego, o vazio do mundo, parece ser a melhor condição material para que se realize o pensamento, pois facilmente a atividade de pensar pode ser turbada pelas ocupações habituais que o cotidiano exige. Numa existência cheia de ocupações cotidianas, dificilmente haverá tempo de "parar para pensar". É o caso de Ana, que tinha tanto medo de pensar que "sua precaução reduzia-se a tomar cuidado na hora perigosa da tarde, quando a casa estava vazia".

Kant define a maioridade como a capacidade de pensar por si mesmo, algo de que todo ser humano é capaz quando atinge a idade da razão na adolescência. Maioridade é luz - a razão ilumina, clareia - e luz revela novidade (nova-idade). A menoridade de um adulto mentalmente sadio é uma menoridade culpada porque é resultado de uma escolha do próprio adulto em ignorar o thaumazein (espanto) ou buscar a resposta em terceiros. Ana, que "não sentia ternura pelo próprio espanto", vivia numa menoridade culpada até o dia em que não resistiu ao thaumazein do amor e passou a pensar como seria a vida a partir daquele dia: A nova-idade trazida por essa iluminação revela-se na indagação: "Quantos anos levaria até envelhecer de novo?"

4. O thaumazein do amor

Clarice, no conto O ovo e a galinha, assim define o amor:

"Amor é quando é concedido participar um pouco mais. Poucos querem o amor, porque o amor é a grande desilusão de tudo o mais. E poucos suportam perder todas as outras ilusões. Há os que se voluntariam para o amor, pensando que o amor enriquecerá a vida pessoal. É o contrário: amor é finalmente a pobreza. Amor é não ter. Inclusive amor é a desilusão do que pensava que era amor."[5]

A noção de amor enquanto perda é recorrente no cristianismo, no platonismo e na literatura. Deus amou o mundo de tal maneira que perdeu seu filho unigênito para esse mesmo mundo. Jesus amou o mundo perdendo a si mesmo, doando sua própria carne para que fosse compartilhada pelos homens (comunhão). Em Camões, é "um cuidar que ganha em se perder".

O tamanho do amor é proporcional ao tamanho da perda de si. Quem se perde inteiramente evidentemente morre, mas ama além de si mesmo, como diz Vinícius no Soneto do Amor Total: "É que um dia em teu corpo de repente / Hei de morrer e de amar mais do que pude." No mito dos seres esféricos de Platão, sugere-se que o amor-a-dois deve representar a perda da metade de si.

Ana é tomada de amor na medida em que lhe ocorrem perdas: ela perde o sentido normal do tato e a rede de tricô fica "áspera entre seus dedos"; perde o sentido de haver um lar no mundo, pois este se mostra mais "hostil" e "perecível", chegando a sentir-se "expulsa de seus próprios dias"; perde o senso de orientação a ponto de segurar-se no banco da frente "como se pudesse cair do bonde"; perde o ponto em que deveria descer; perde a noção de tempo que ficou no Jardim e chega a sentir-se "banida" para o lado dos que "lhe haviam ferido os olhos".

No conto, junto do conceito de amor como perda, está o conceito de piedade rousseauniana. Em Rousseau, a piedade é definida como capacidade do homem em "temperar o ardor que sente por seu bem-estar por meio de uma repugnância inata ao ver o semelhante sofrer"[6]. O amor piedoso é paradoxal, pois a doçura de estar amando, de sentir-se leve por se haver perdido, mistura-se à repugnância ao sofrimento alheio. O sofrimento que Ana sente pelo cego que "mascava chicles na escuridão"[7] e pelo Jardim Botânico que "apodrecia" opera nela o paradoxo do amor piedoso: ela sente uma "náusea doce", nojo e fascínio.

O tamanho do amor de Ana era imenso. A perda de si foi completa. O assassinato foi profundo. Seu grande amor, sua "piedade de leão", a fez apertar seu filho com tanta força contra si que o assustou. A grandeza de Ana era tanta que "qualquer movimento seu e pisaria numa das crianças"; sua misericórdia era violenta. Ela amava muito, mas isso não a faria uma santa, pois um santo é tudo menos violento.

5. O ovo e a galinha

"A galinha é o disfarce do ovo. Para que o ovo atravesse os tempos, a galinha existe. Mãe é para isso."[8] Em Clarice, não há como evitar a associação entre as figuras da mãe e da galinha: Figuras que, articuladas em torno da questão do amor, fazem-nos supor que a rapidez com que Ana retorna às suas atividades habituais, ao assustar-se com o estouro do fogão, tenha a ver com o mal da galinha.

Todo susto da galinha é porque estão sempre interrompendo o seu devaneio. A galinha é um grande sono - a galinha sofre de um mal desconhecido. O mal desconhecido da galinha é o ovo - ela não sabe explicar: 'sei que o erro está em mim mesma', ela chama de erro a sua vida, 'não sei mais o que sinto', etc.(...) Para a galinha não há jeito: está na sua condição não servir a si própria. Sendo, porém, o seu destino mais importante que ela, e sendo o seu destino o ovo, a sua vida pessoal não nos interessa."[9]

Bibliografia

ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. por Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense, 1991.
______________. A Dignidade da Política: Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1993. p. 149.
LISPECTOR, Clarice. Amor. In: Laços de família. Rio de Janeiro: Nova Fronteira 1998. p. 19-33.
_________________. Medo da Eternidade. In: A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 446-8.
_________________. O ovo e a galinha. In: Felicidade clandestina; contos. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 51.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Os Pensadores. Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade Entre os Homens. São Paulo, Nova Cultural, 1999.

Notas

[1] Hannah Arendt. A condição Humana, p. 47
[2] Ibidem, p. 68.
[3] Hannah Arendt. A Dignidade da Política: Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1993. p. 149.
[4] Do francês: "ora sou, ora penso".
[5] Clarice Lispector. O ovo e a galinha. In.: Felicidade clandestina; contos. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 55.
[6] Jean-Jacques Rousseau. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. p. 157-8.
[7] Em Clarice, o ato de mascar chicletes está associado ao sofrimento de quem está condenado a fazer a mesma coisa por toda uma eternidade: "a vantagem de ser uma bala eterna me enchia de medo, como se tem diante da idéia de eternidade ou de infinito" (Clarice Lispector. Medo da eternidade. In:. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 448)
[8] Clarice Lispector. O ovo e a galinha. In.: Felicidade clandestina; contos. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 51
[9] Ibidem. p. 53

(c) 2002 Israel de Alexandria



2-PALAVRAS-CHAVE
Literatura; mulher; Amor; Clarice Lispector.
Não havia como fugir. Os dias que ela forjara haviam-se rompido na crosta e a água escapava. Estava diante da ostra. E não havia como não olhá-la. De que tinha vergonha? E que já não era mais piedade, não era só piedade: seu coração se enchera com a pior vontade de viver.
(Clarice Lispector, "Amor" in. Laços de Família, 1998. p. 26-27)
INTRODUÇÃO
O conto Amor de Clarice Lispector publicado no ano de 1982 presente na obra Laços de Família apresenta uma temática voltada para as questões existenciais, em que a personagem protagonista Ana, em um determinado momento da sua vida cotidiana demonstra uma extrema insatisfação com a realidade a sua volta.
A partir dos estudos sobre a literatura feminina e a história da mulher na sociedade ao longo dos tempos. Procuraremos analisar a personagem Ana segundo o que algumas autoras, como Rita Terezinha Schmidt e Maria Consuelo Cunha Campos defendem a cerca da mulher na literatura.
Clarice Lispector pode ser vista como uma das grandes motivadoras na narrativa de autoria feminina, que começa a se expandir no universo cultural brasileiro, apresentando características inovadoras em termos de linguagem e de perspectivas. Conhecida por sua complexa subjetividade e seus questionamentos do mundo externo sob o interno, nos proporciona uma leitura, em seu conto Amor, da tomada de consciência de mundo da personagem protagonista. Por a isso, enxergamos na personagem Ana a figura de um ser humano com aspectos psicológicos incomuns, em conflito consigo mesma e tudo que representa para a sua família e a sociedade.
A análise da personagem Ana, nos proporciona um maior entendimento das questões existenciais, por se tratarem de monólogos interiores da personagem que acontecem e se combinam num estilo indireto livre até por fim se encontrarem em toda obra. No qual teremos uma redução dos vários universos pessoais às correntes de consciência. A obra da autora sublinha a precariedade e o nomadismo da consciência da existência entre as alegrias e as agonias do ser.
Os teóricos de base utilizados para a elaboração deste artigo foram: SCHMIDT, 1995; CAMPOS, 1992.
LITERATURA E GÊNERO
Maria Consuelo Cunha Campos, em seu texto sobre o gênero na literatura, fala dos papéis masculinos e femininos na sociedade. Os papéis sociais dos sexos estão culturalmente determinados, como se sabe o sistema gênero-sexo enquanto constituição simbólica sócio-histórica organizada socialmente é vivenciada simbolicamente, por meio da interpretação das diferenças dos sexos, a identidade incorporada no modo de ser e de vivenciar o corpo.
[...] na relação masculino e feminino, a opressão e exploração deste último pelo primeiro: a história das sociedades até agora existentes constituiria uma história da subordinação das mulheres pelos homens em base aos sistemas gênero-sexo que culturalmente produziram. Donde não se tratar de pura diferença, mas sim de diferença hierarquizada em vista de poder. (CAMPOS, Maria Consuelo Cunha. Gênero. In Palavras da crítica. Rio de janeiro: Imago Ed., 1992.p. 111-112).
Conforme a história, os sistemas gênero-sexo revelam a subordinação das mulheres pelos homens em base culturalmente estabelecida. Biologicamente a diferença dos sexos é marca da alteridade que parte do pressuposto básico de que todo o homem social interage e interdepende de outros indivíduos e que a existência do "eu - individual" só é permitida mediante um contato com o outro.
A ginocrítica, ciência que faz um estudo feminista da escrita da mulher, afirma que essa escrita é marcada pelo sexo. Sendo assim, acredita-se que através da desnaturalização e desideologização da opressão sofrida pela mulher, há o predomínio de valores culturais patriarcais na literatura produzida pela mulher.
A crítica feminista condena o desprezo pela contribuição da mulher na literatura, ou seja, o desprezo de determinadas escritoras, a exclusão devido a predominância masculina amparada pela ideologia sexista que apóia os valores referentes ao papel tradicional da mulher. Além disso, denuncia a predominância do androcentrismo, o masculino como referência, o cânon literário marcado pela inferiorização feminina.
[...] na crítica feminista, ocorre a denúncia da perspectiva androcêntrica que, estatuindo o ponto de vista masculino como a referência, fazia redundar o cânon literário num jogo de cartas não menos previamente marcadas, pela inferiorização feminina prévia. (idem, p. 118)
Conforme a história mostra, existiram três fases da mulher na literatura, a primeira marcada pela mulher imitando a escrita masculina, adotando pseudônimos, vestuários e padrão de conduta masculino. A segunda marcada pela mulher lutando pelo seu direito, nessa fase a escrita da mulher se torna uma escrita de protesto em face de exclusão e rebaixamento sofrido.
E a última fase denota uma escrita marcada pela conscientização, a partir dos anos 60 da auto-afirmação da escrita-mulher, nessa fase a escrita é caracterizada pela diferença em relação ao homem, pois como a vivência da mulher é diferente a vivência do homem o seu discurso conseqüentemente se torna diferente, desse modo a escrita feminina difere da masculina.
Enfim, a conscientização feminina ocorre quando a mulher, por meio da análise de sua vida íntima e de seu comportamento frente à cultura a que está inserida, toma consciência do seu papel na sociedade. A problemática das relações de gênero como um conjunto de relações sociais sustenta a idéia de ambos, homem e mulher estarem inter-relacionados e presos ao gênero. Assim, nas sociedades ocidentais contemporâneas os sistemas gênero-sexo têm sido utilizados conceitualmente de acordo com o sistema de dominação.
Desse modo, Rita Terezinha Schmidt, vem acrescentar que de um modo geral a negação da mulher como sujeito do discurso no contexto da literatura brasileira até a década de 70, levou a escritoras como Raquel de Queiroz, Cecília Meireles e Clarice Lispector a contradizer por parte de suas obras críticas, a tradição estética de base que excluiu a mulher da produção artística, dando lugar unicamente ao homem, alegando ser a arte um dom essencialmente masculino.
Com a mulher exercendo o papel secundário da reprodução, a diferença da experiência feminina foi neutralizada e sua representação reduzida de importância por não atingir ao patamar de "excelência" exigido pela crítica literária da época. Sendo assim, a experiência feminina na literatura, foi marcada pela exclusão e desvalorização do seu discurso.
Porém, mesmo com as resistências encontradas, tais escritoras desafiaram o processo de socialização e transgrediram os padrões culturais pré-estabelecidos, nos proporcionando assim, uma tradição de cultura feminina que apesar de desenvolvida numa cultura dominante, abre espaço ao diálogo, as discussões e tensões, levando ao desequilíbrio das representações cristalizadas pelo masculino.
ANÁLISE DA PERSONAGEM ANA
A partir da leitura dos textos de Maria Consuelo Cunha Campos e Rita Terezinha Schmidt, faremos uma análise do conto"Amor" presente na obra Laços de Família de Clarice Lispector. A obra citada foi escrita muito antes da sua publicação em 1982, portanto faz-se alusão a sociedade da época da década de 60 para 70.
A época em que foi escrito o conto "Amor" foi marcada pelo início da realização de projetos culturais e ideológicos alternativos decorrentes da crise no moralismo rígido da sociedade na década de 50. Na década de 60 para 70 apresentou o estado de espírito que pode ser definido por "um tom mais ácido", revelando experiências com drogas, a perda da inocência, a revolução sexual e os protestos juvenis contra a ameaça de endurecimento dos governos. É nessa época que se dá início a uma grande revolução comportamental o surgimento do feminismo e os movimentos civis em favor dos negros e homossexuais.
Foi nessa perspectiva que Clarice Lispector escreveu o conto"Amor" que, de forma complexa e subjetiva, faz uso intenso de metáforas, relatando a história da personagem Ana, uma simples dona de casa entregue a uma vida de rotina, como por exemplo, cuidar dos filhos, da casa e do marido Sob uma visão crítica a cerca do papel da mulher na sociedade, revelou sua angústia por ser uma escritora da década de 60, a qual sofreu pela falta de valorização na literatura por ser uma mulher.
A personagem vive cercada por situações simples e corriqueiras, mas guarda em seu inconsciente desejos que insiste em negar por considerá-los um perigo à situação segura e reconfortante que imagina viver.
Os filhos de Ana eram bons, uma coisa verdadeira e sumarenta. Cresciam, tomavam banho, exigiam para si, malcriados, instantes cada vez mais completos. A cozinha era enfim espaçosa, o fogão enguiçado dava estouros. O calor era forte no apartamento que estavam aos poucos pagando. Mas o vento batendo nas cortinas que ela mesma cortara lembrava-lhe que se quisesse podia parar e enxugar a testa, olhando o calmo horizonte como um lavrador. Ela plantara as sementes que tinha na mão, não outras, mas essas apenas. E cresciam árvores, cresciam árvores. Crescia sua rápida conversa com o cobrador de luz, crescia a água enchendo o tanque, cresciam seus filhos, crescia a mesa com comidas, o marido chegando com os jornais e sorrindo de fome, o canto importuno dos empregados do edifício. Ana dava a tudo, tranquilamente, suas mãos pequenas e fortes, sua corrente de vida.
(LISPECTOR, p. 17-18)
Segundo Campos, conforme a história mostra, existiram três fases da escrita da mulher na literatura, a primeira marcada pela mulher imitando a escrita masculina, adotando pseudônimos, vestuários e padrão de conduta masculino. A segunda marcada pela mulher lutando pelo seu direito, nessa fase a escrita da mulher se torna uma escrita de protesto em face de exclusão e rebaixamento sofrido. E a última fase denota uma escrita marcada pela conscientização, a partir dos anos 60, pela auto-afirmação da escrita-mulher, nessa fase a escrita é caracterizada pela diferença em relação ao homem, pois como a vivência da mulher é diferente da vivência do homem, o seu discurso conseqüentemente se torna diferente, desse modo a escrita feminina difere da masculina.
Seguindo o pensamento de Campos, Clarice Lispector apresenta em sua obra uma escrita determinada e feminina, mostrando criticamente os valores nos quais acredita. A partir da personagem Ana, ela mostra as contradições e angústias vividas por uma dona de casa durante uma época de transição de valores culturais estabelecidos pela sociedade de base patriarcal.
A personagem Ana, procurava se entregar a uma vida tranqüila e previsível, na qual não poderia haver espaços para situações inusitadas. Mas, em determinados momentos apresenta certo desconforto, pois havia dentro dela, sensações que ela não conseguia negar, que insistiam em emergir do seu inconsciente. A personagem se perdia, mas, lutava para encontrar um equilíbrio em tudo que vivia. Ana desejava algo, mas não sabia exatamente o que era. Estava presa àquele mundo de convenções e se sentia mais segura ali, "Certa hora da tarde era mais perigosa. Certa hora da tarde as árvores que plantava riam dela. Quando nada mais precisava de sua força, inquietava-se.[...]" (LISPECTOR, p. 18).
Havia momentos na vida da personagem, que causavam angústias, percebemos que a personagem se sente encurralada, perdida em si mesma, pois repensando a sua vida começam a surgir desejos que podem ser entendidos como ânsia pela liberdade.
No fundo, Ana sempre tivera necessidade de sentir a raiz firme das coisas. E isso perplexamente lhe dera. Por caminhos tortos, viera a cair num destino de mulher, com a surpresa de nele caber como se o tivesse inventado. O homem com quem casara era um homem verdadeiro, os filhos que tivera eram filhos verdadeiros. Sua juventude anterior parecia-lhe estranha como uma doença de vida. Nela havia aos poucos emergido[...].
(LISPECTOR, p. 18).
Ana constrói para si uma vida que segundo ela, considera segura e reconfortante, tenta deixar de lado toda aquela inquietação que há tempos a persegue e considera um perigo, uma ameaça, uma risca à vida que havia escolhido para si mesma, assim procura ver as coisas que tem como certas, concretas e seguras, contrapondo a sentimentos insólitos que sentira em sua juventude e volta e meia desperta do seu inconsciente.
Clarice Lispector nesse conto relata a "imagem" de mulher existente numa sociedade onde ainda persistem valores ultrapassados. Ana mesmo com o anseio de libertar-se da mesmice na qual está condicionada, tem medo. Não consegue se aceitar e reconhecer estas sensações que volta e meia se fazem presentes em sua mente, que poderiam ser vistas como a possibilidade de mudança para uma vida na qual poderia se auto-afirmar e ser sujeito da sua própria existência. Sem se prender aos padrões e convenções da época.
Seria preocupação, reduzia-se a tomar cuidado na hora perigosa da tarde, quando a casa estava vazia sem precisar mais dela, o sol alto cada membro da família distribuído nas suas funções. Olhando os móveis limpos, seu coração se apertava um pouco em espanto. Mas sua vida não havia lugar para que sentisse ternura pelo seu espanto ela o abafava com a mesma habilidade que as lides em casa lhe haviam transmitido.
(LISPECTOR, p. 19)
O que sucedera a Ana antes de ter o lar estava para sempre fora de seu alcance: uma exaltação perturbada que tantas vezes se confundira com felicidade insuportável. Criara em troca algo enfim compreensível, uma vida de adulto. Assim ela o quisera e escolhera.(LISPECTOR, p. 18-19)
Desse modo, de acordo com Rita Terezinha Schmidt, com a negação da mulher como sujeito do discurso no contexto da literatura brasileira até a década de 70, Clarice Lispector era reconhecida por parte da sua crítica. Ela negava a tradição estética basicamente européia, que definia a produção artística como unicamente um dom essencialmente masculino e a mulher com o papel secundário da reprodução. Sendo assim, a experiência feminina na literatura, foi marcada pela exclusão e desvalorização do seu discurso.
Logo, Ana vivenciava momentos nos quais se angustiava, pois se defrontava com o que considera fantasmas interiores, mas que pode ser considerado como um fluxo de consciência em que a ela, poderia se libertar daquele mundo que a oprimia. Só que por estar presa a uma idéia cristalizada, a personagem vê como se o perigo estivesse justamente nesses momentos de perturbação psicológica.
O bonde se arrastava, em seguida estacava. Até Humaitá tinha tempo de descansar. Foi então que olhou para o homem parado no ponto. A diferença entre ele e os outros é que ele estava realmente parado. De pé, suas mãos se mantinham avançadas. Era um cego. O que havia mais que fizesse Ana se aprumar em desconfiança? Alguma coisa intranqüila estava sucedendo. Então ela viu: o cego mascava chicles... Um homem cego mascava chicles.
(LISPECTOR, p. 19)
A partir deste fragmento, percebemos que a inquietação na personagem é ainda maior, ela finalmente emerge na pessoa do cego, Ana se vê nele, o cego representa o significante, pois ele traz à tona o que tanto perturbava a personagem, a falta de liberdade, o seu desejo de ter uma vida diferente da que havia imposto a si mesma "Incapaz de se mover para apanhar suas compras, Ana se aprumava pálida. Uma expressão de rosto, há muito não usada, ressurgira-lhe com dificuldade, ainda incerta, incompreensível. O moleque dos jornais ria entregando-lhe o volume (LISPECTOR, p. 20).
Seu desejo de liberdade emergia-se por fim, a personagem reconhece o sentimento que tanto a perturbara, sentimento de frustração, de não realização, percebera que tudo aquilo que lhe bastara em um determinado momento não fazia mais sentido, era a tão sozinha liberdade que ficara presa em si mesma. Tudo que vivera até agora, não era real, passou a compreender isso na figura do cego com sua indiferença, a sua presença causara um grande transtorno a Ana, e fez com que entendesse que na sua condição não se sentia realizada, estava presa às convenções sociais e deixara de viver.
A rede de tricô era áspera entre os dedos, não íntima como quando a tricotara. A rede perdera o sentido e estar num bonde era um fio partido, não sabia o que fazer com as compras no colo. E como uma estranha música, o mundo recomeçara ao redor. O mal estava feito. Porquê? Teria esquecido de que haveria cegos? A piedade a sufocava, Ana respirava pesadamente. Mesmo as coisas que existiam antes do acontecimento estavam agora de sobre aviso, tinham um ar hostil, perecível... o mundo se tornara de novo um mal-estar.(LISPECTOR, p. 21)
Neste fragmento percebemos que tudo se desconstrói ao redor da personagem, as coisas fugiram ao seu controle. Ela desperta para a realidade, e isso tudo a amedronta. Tudo está se desorganizando a sua volta. E ela não sabe como lidar com essas novas sensações ou com essa nova consciência de mundo.
Não havia como fugir. Os dias que ela forjara haviam-se rompido na crosta e a água escapava. Estava diante da ostra. E não havia como não olhá-la. De que tinha vergonha? E que tinha vergonha? É que já não era mais piedade, não era só piedade: seu coração se enchera com a pior vontade de viver.
(LISPECTOR, p. 27)
A situação de desconforto era cada vez mais intensa, todos os questionamentos emergiam em sua mente, como assumir ou não a sua vontade de viver uma outra realidade, de sair deste mundo de convenções ou ignorar e deixar as coisas seguirem na mesma linha, continuar vivendo a mesma vida.
Hoje de tarde alguma coisa tranqüila se rebentara, e na casa toda havia um tom humorístico, triste. É hora de dormir, disse ele, é tarde. Num gesto que não era seu, mas que pareceu natural, segurou a mão da mulher, levando-a consigo sem olhar para trás, afastando-a do perigo de viver. Acabara-se a vertigem de bondade. E, se atravessara o amor e o seu inferno, penteava-se agora diante do espelho, por um instante sem nenhum mundo no coração. Antes de se deitar, como se apagasse uma vela soprou a pequena flama do dia.(LISPECTOR, p. 30)
A personagem acaba se prendendo ao mundo ao qual já estava acostumada, por considerá-lo mais seguro, porém a sua consciência não continua a mesma, agora Ana consegue assumir sua própria identidade. Assim, a personagem possivelmente teria se identificado com o cego, pois ele representava o seu próprio reflexo, uma pessoa igualmente limitada.
Contudo, ao se dar conta da pessoa que havia se tornado surge uma nova identidade, a de uma mulher que fez sua escolha e que decidiu continuar com a estrutura pré-existente dos papéis sexuais e sociais das relações que constituem a família e a sociedade.
Enfim, a conscientização feminina, conforme Campos, ocorre quando a mulher, por meio da análise de sua vida íntima e de seu comportamento frente à cultura a que está inserida, toma consciência do seu papel como mulher na sociedade. E da problemática existente nas relações de gênero como um conjunto de relações sociais que sustenta a idéia de ambos, homem e mulher estarem inter-relacionados e presos ao "gênero".
Diante disso, o que parecia ser um relato de uma simples experiência acaba por nos mostrar uma grande revelação, a percepção de uma realidade atordoante, quanto a questões corriqueiras do cotidiano da personagem Ana e à tomada de consciência de seu valor como mulher.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O nosso trabalho buscou analisar o conto de Clarice Lispector Amor, a partir da visão literária feminista. Sabemos que a situação de submissão da mulher é um fenômeno histórico, em que esta sofreu um processo de exclusão e diminuição de seu papel social. Assim, historicamente a figura feminina foi sendo associada aos cuidados domésticos e familiares, herança de uma sociedade patriarcal, tornando-a, assim, inferior dentro da hierarquia familiar e sacrificando nesta perspectiva sua própria identidade, pois de tanto ser obrigada ideologicamente a viver sob a máscara da aceitação dos valores hegemônicos, perdia-se de si mesma.
Desse modo, a literatura feminina vem destacar as desigualdades de poder nas relações de gênero que ainda são profundas, na tentativa de desconstruir certas representações que historicamente instrumentalizam a opressão às mulheres e a outras minorias.
REFERÊNCIAS
JOBIM, José Luís (org.). Palavras da Crítica. Coleção Pierre Menard. Rio de Janeiro: Inago, 1992. p. 111-125.
LISPECTOR, Clarice. "Amor" in. Laços de Família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
SCHMIDT, Rita Terezinha. "Repensando a cultura, a literatura e o espaço da autoria feminina". In:NAVARRO, Márcia Hoppe (Org.). Rompendo o silêncio: gênero e literatura na América Latina. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1995.


3- O AMOR(E A MULHER):UMA CONVERSA (IM)POSSÍVEL ENTRE CLARICE LISPECTOR E SARTRE
Valeska Zanello
Universidade de Brasília


Resumo: Com o presente trabalho visamos fazer uma análise do conto “O amor”, de Clarice
Lispector, a partir das seguintes categorias apontadas por Sartre em O ser e o nada: olhar-ser
olhado, instrumentalidade (funcionalidade) e amor. Partimos da experiência elaborada por
Clarice em seu texto, na qual Ana, dona de casa atarefada e ‘empenhada’ em servir aos familiares
(“pura funcionalidade”), se depara, numa de suas idas e vindas à cidade, com um cego mascando chicletes. Ora, um cego é um olho que não olha, é um olho sem função. É essa vivência
que abre a Ana a dimensão do amor, num sentido muito específico (que aponta para as relações
de gênero), e do qual a descrição fenomenológica de Sartre parece não dar conta.
alavras-chave: amor; mulher; Clarice Lispector; Sartre.
Co p y r i g h t ¤ 2 0 0 7 b y Re v i s t a
Estudos Feministas.
1
LISPECTOR, 1974, p. 21-31.
Valeska Zanello
Universidade de Brasília
Em “O Amor”,
1
Clarice Lispector nos relata a história
de Ana, uma dona de casa atarefada em cumprir seus
deveres de mãe e esposa, completamente ‘sugada’ em
seu mundinho previsível e cotidiano. Podemos dizer que
ela é muito mais dependente de sua servidão do que talvez
os próprios beneficiados. Em algumas horas do dia, Ana
pressente o ‘perigo’ se aproximar: uma espécie de lacuna,
de falta, um vazio. E é essa ‘rachadura’ que Clarice Lispector
vai explorar. Numas dessas horas, à tarde, depois de fazer
suas compras, ao retornar para casa, Ana toma um bonde
e, contemplando a paisagem, avista um cego mascando
chicletes. Aparentemente uma cena banal, mas no quadro
d a q u e l e m o m e n t o t o m a u m a d i m e n s ã o a t é e n t ã o
imprevisível para ela: Ana é invadida por uma piedade
absolutamente profunda, espantosa, que beira o nojo.
Completamente tomada por essa experiência, a
personagem nem percebe a partida do bonde, deixando
cair a caixa de ovos que havia comprado – acontecimento
que sai do previsto, dos trilhos repetitivos de seu cotidiano,VALESKA ZANELLO
532 Estudos Feministas, Florianópolis, 15(3): 531-539, setembro-dezembro/2007
de sua medíocre vidinha do dia-a-dia. A personagem
permanece nesse estado por um bom tempo, olhando as
coisas e as pessoas de uma maneira um tanto ‘estranha’. É
nesse espanto que Clarice mostra ou aponta a vivência
de Ana quanto à sua escolha (sua vida como mera
p o s s i b i l i d a d e , c o m o ‘ e s c o l h i d a ’ ) , e a a n g ú s t i a
desconstrutora, mas também possibilitadora de novas
escolhas (o que não ocorre: a personagem oblitera seus
abismos... não suportando a vertigem).
Ao retornar para casa, vemos Ana se esforçar por
mergulhar novamente em seu cotidiano: através da ‘culpa’
que sente ao rever seu filho. “É pelas crianças!” (E não é
esta a justificativa de tantas mulheres?). Ela tenta espremer
a vastidão do que vivenciou na estreiteza de sua cozinha,
quartos, limpeza e relações domésticas – totalmente
conhecidas, previsíveis e esgotadas. E é o próprio marido
que a reconduz a seu mundinho tamponado, morno, sem
frestas.
Duas questões emergem como essenciais para o
presente ensaio: por que Clarice denominou este conto
de “O amor”? E por que logo um cego é, no conto, o objeto
de transição, cortante, interpelador (interpela-dor) da
retirada da personagem de sua funcionalidade de dona
de casa para seu estado de torpor?
Comecemos pela segunda pergunta. Sartre, em O
ser e o nada,sublinha, de maneira enfática, a importância
do olhar do outro no congelamento de traços do ser-parasi como um em-si. Isto é, coisificando o para-si que se sente e se vê em face do outro como objeto. Ora, Sartre também nos diz que podemos colocar/captar o outro em sua pura
funcionalidade: a indiferença. Ele nos diz:
Trata-se pois de uma cegueira com relação aos outros
[...]. Quase não lhes dou atenção; ajo como se estivesse
sozinho no mundo; toco de leve pessoas como toco de
leve paredes; evito-as como evito obstáculos; sua
l i b e r d a d e - o b j e t o n ã o p a s s a p a r a m i m d e s e u
coeficiente de adversidade; sequer imagino que
possam me olhar [...]. Essas pessoas são funções: o
bilheteiro nada mais é que a função de coletar
ingressos; o garçom nada mais é que a função de servir
fregueses.
E por que não continuar? A mãe pode vir a ser
identificada com a função de cuidar das crianças, de sua
alimentação, de seus horários e estudos, etc.; a esposa,
com a função de preparar a comida, afagar o esposo e
satisfazê-lo sexualmente; etc. Parece que a personagem
descrita por Clarice enquadra-se nesse congelamento do
olhar dos outros: ela é transparente, pura funcionalidade,
que garante o bom andamento da casa e da família.

SARTRE, 1997, p. 474.

SARTRE, 1997.Estudos Feministas, Florianópolis, 15(3): 531-539, setembro-dezembro/2007 533

O AMOR (E A MULHER): UMA CONVERSA (IM)POSSÍVEL ENTRE CLARICE LISPECTOR E SARTRE

Vejamos bem: ela é congelada na cegueira dos outros,
enquanto puro instrumento. Mas há algo que no conto
aponta também para os ‘benefícios’ dessa posição:
almofada para a angústia de sua própria liberdade e de
suas escolhas. A personagem não entra em conflito, como
poderia nos fazer pensar uma leitura sartreana, com o olhar
do outro, mas antes se nutre desse olhar, identificando-se
com o que nele se reflete como dela mesma. Isto é, a
própria personagem coisifica, ou reduz o outro, à sua
própria funcionalidade de olhar. É assim que ela precisa
ser vista. Isto não lhe acontece: isto é escolha. “Ela plantara
as sementes que tinha na mão, não outras, mas essas
apenas. [...] Certa hora da tarde as árvores que plantara
riam dela. Quando nada mais precisava de sua força,
inquietava-se.”

Assim, manter o outro na sua funcionalidade
do olhar não é conflito, é homeostase, não passiva, calma,
n e u t r a , ma s t e n s a . Tr a t a - s e n ã o d e um “ o u / o u ” t ã o característico de um modo reducionista de pensar, mas
de um “e”, complexo, e que resulta num sistema ‘vivo’
processual. Diferentemente dos textos que indicam uma
dupla possibilidade à personagem feminina – “ou refletir a
ima g em ma s c u l i n a , me t o n ími a e me t á f o r a d e uma
ideologia opressora, ou perder-se no vazio da loucura e
da marginalização”

– acreditamos que o conto de Clarice
“indica novas possibilidades para o imaginário cultural,
implantando novas questões num imaginário que se torna
reativado em novas direções”.

Sartre ainda pensa a subjetividade na relação
sujeito-objeto, em um esquema no qual “ora eu conquisto,
ora o outro me conquista”. Trata-se de ‘vencer’ e não de
conviver. A pergunta agora é: o que do outro me constitui
e o que no outro eu constituo? Se durante a década de 70
a crítica literária da obra de Lispector seguiu os passos de
Benedito Nunes, no que tange à tendência existencialista
e universalizante, trata-se aqui de pensar o que o conto
de Clarice pode, por seu turno, desconstruir da própria
concepção satreana (a nosso ver, binária-patriarcal) acerca
do que venha a ser o amor e, ainda nesse sentido, o que o
conto sobre o amor nos abre como possibilidades de
reflexão acerca da ‘mulher’, pois “ao desestabilizar os
estereótipos de gender e as formas de articulação do
poder, instalados pelo patriarcado, Lispector também
desmantela as bases dos essencialismos”.

Para Sartre, o ápice da consciência da liberdade
se dá exatamente à beira do pressentimento de estar sendo
coisificado pelo outro (quando me sinto prestes a perdê-
la). Mas, no caso de Ana, personagem do conto de Clarice
L i s p e c t o r, n ã o s e d á o mesmo, p o i s a redução d a

LISPECTOR, 1974, p. 21.

HELENA, 1997, p. 106.
7
HELENA, 1997, p. 38.
6
Lucia HELENA, 1997, p. 28.
5
Ruth BRANDÃO, 2004, p. 56.VALESKA ZANELLO
534 Estudos Feministas, Florianópolis, 15(3): 531-539, setembro-dezembro/2007
personagem à pura funcionalidade, como vimos, não lhe
representa angústia, mas antes alívio:
No fundo, Ana sempre tivera necessidade de sentir a
raiz firme das coisas. E isso um lar perplexamente lhe
dera. Por caminhos tortos, viera a cair num destino de
mulher, com a surpresa de nele caber como se o tivesse
inventado. O homem com quem casara era um homem
verdadeiro, os filhos que tivera eram filhos verdadeiros.
[...] Assim ela o quisera e escolhera. Sua preocupação
reduzia-se a tomar cuidado na hora perigosa da tarde,
quando a casa estava vazia, sem precisar mais dela, o
sol alto, cada membro da família distribuído nas suas
funções. Olhando os móveis limpos, seu coração se
apertava um pouco em espanto. Mas na sua vida não
havia lugar para que sentisse ternura pelo seu espanto
– ela o abafava com a mesma habilidade que as lides
em casa lhe haviam transmitido. Saía então para fazer
compras ou levar os objetos para consertar, cuidando
do lar e da família à revelia deles.

Ela precisa ser útil, funcional.

E Clarice descreve a
escolha de vida da personagem como uma grande
aceitação que dava ao seu rosto um ar de mulher.
Num de seus pas seios , a f im de manter- se na
funcionalidade da família (fazer compras, etc.), Ana deparase com o inesperado e o adormecido. Aqui entra um
aspecto interessantíssimo do conto e que nos faz colocar
em xeque as próprias idéias de Sartre: o aparecimento do
cego, ela vê o cego.
Ora, tudo ia se encaminhando ‘bem’ na vida diária
des sa per sonagem, na sua ida às compras , na sua
previsibilidade, até que do bonde ela avista um cego
mascando chicletes. O que há de tão estranho nisso?,
podemos nos perguntar. Uma resposta contundente se
e v i d e n c i a : o c e g o é u m o l h o q u e n ã o o l h a . A
funcionalidade do olho é o olhar, mas no cego o olho é
c o i s a . A q u i s e e v i d e n c i a a r e d u ç ã o , p o r p a r t e d a
personagem, do outro à sua funcionalidade do olhar. O
olho do cego é, assim, um espelho às avessas: um buraco
negro, no qual a personagem se sente sugada até a alma,
em puro estado de ódio, torpor, piedade e nojo. “Era um
cego [...]. Inclinada, olhava o cego profundamente, como
se olha o que não nos vê [...], como se ele a tivesse
insultado, Ana olhava-o. E quem a visse teria a impressão
de uma mulher com ódio.”

Abre-se o fundamento (que antes era a manutenção
daquilo a que o olhar do outro a reduzia e alimentava:
pura funcional idade) , surgindo a pos s ibi l idade de a
per sonagem deparar- se com a sua própr ia fal ta de
fundamento: sua liberdade. Vertigem... Suas escolhas

Discordamos aqui, portanto, de
Berta Waldman, para quem Ana
parece ser uma mulher tranqüila
e em paz consigo mesma. Ver
Berta WALDMAN, 1992.

LISPECTOR, 1974, p. 22.

LISPECTOR, 1974, p. 23.Estudos Feministas, Florianópolis, 15(3): 531-539, setembro-dezembro/2007 535
O AMOR (E A MULHER): UMA CONVERSA (IM)POSSÍVEL ENTRE CLARICE LISPECTOR E SARTRE
passam a ser ressentidas como meras possibilidades. Em
outras palavras, o ápice da consciência da liberdade,
nesse caso, se dá justamente quando o olhar do outro some,
quando não há mais sustento ou amparo: tudo se esboroa.
Perdida nesse buraco, Ana não percebe a partida do
bonde e deixa que os ovos caiam de sua bolsa e se
quebrem, alguns, no chão:
O mal estava feito [...]. Mesmo as coisas que existiam
antes do acontecimento estavam agora de sobreaviso,
tinham um ar mais hostil, perecível... O mundo se tornara
de novo um mal-estar. Vários anos ruíam, as gemas
amarelas escorriam. [...] Ela apaziguara tão bem a vida,
cuidara tanto para que esta não explodisse. Mantinha
tudo em serena compreensão, separava uma pessoa
das outras, as roupas eram claramente feitas para serem
usadas e podia-se escolher pelo jornal o filme da noite
– tudo feito de modo a que um dia se seguisse ao outro.
E um cego mascando goma despedaçava tudo isso.
12
A personagem sente-se então ‘dessituada’ no seu
mundinho, perdendo os hábi tos , lugares , horár ios e
“mundanidade” de seu modo repetitivo de viver, caindo
numa “bondade extremamente dolorosa”. A ênfase se faz,
então , no olho que não olha, no olho sem função ,
despedaçando a funcionalidade do mundo de Ana.
Acreditamos que o cego não é, na verdade, apenas “o
mediador de uma incompatibilidade latente com o mundo
que jaz no ânimo de Ana”,
13
mas que a escolha da própria
cegueira como abertura de mundo da personagem aponta
para a nomeação de importantes questões relacionadas
ao gênero.
Em primeiro lugar, faz-se necessário sublinhar o fato
de ser a personagem principal uma mulher, escravizada
(pelo outro, mas também por si mesma) ao olhar do outro.
Essa relação entre a mulher e o olhar/ser olhada é um tema
b a s t a n t e d i s c u t i d o , c o m e n t a d o e r e v i s i t a d o p e l a
psicanálise.
14
A questão então é: será gratuita, no conto,
esta escolha? Por que Clarice nos diz que sua grande
‘aceitação’ transformava seu rosto em rosto de ‘mulher’? E,
finalmente, por que o conto se intitula “O amor”?
Sartre, em O ser e o nada, situa a experiência do
amor na primeira atitude para com o outro, juntamente
com a linguagem e o masoquismo. Ele nos nos diz que “o
amor é um empreendimento, ou seja, um conjunto orgânico
de projetos rumo a minhas possibilidades próprias”.
15
No
entanto, o amor é conflito, pois nos coloca em relação
direta com a liberdade do outro: daí ter saído de Sartre a
afirmação, hoje em dia quase um slogan, de que “o inferno
são os out ros ” . Mas es se inferno não se es tabelece
definitivamente no conto clariceano. Ocorre, ao contrário,
15
SARTRE, 1997, p. 457.
14
Ver, entre outros, Luce IRIGARAY,
1977; Lucien ISAREL, 1995; Juan
NAS IO, 1991; S igmund FREUD,
1974.
13
Benedito NUNES, 1995, p. 85.
12
LISPECTOR, 1974, p. 24-25.VALESKA ZANELLO
536 Estudos Feministas, Florianópolis, 15(3): 531-539, setembro-dezembro/2007
como já afirmamos, uma ausência de luta, de conflito (pelo
me n o s n a r e l a ç ã o ma r i d o –mu l h e r ) , f i rma n d o - s e um
apaziguamento via a homeostase funcionalidade do olhar/
funcionalidade do ser olhada. É o cego, enquanto ausência
de olhar, que abre à personagem possibilidades outras que
não a funcionalidade. É ele que lhe abre a porta, antes
evitada, do conflito. Após ‘ultrapassá-la’, Ana se dirige ao
J a r d i m B o t â n i c o , e m e s t a d o d e t o r p o r, e s p a n t o , e
admiração em face da crueza da vida: “A crueza do mundo
era tranqüila. O assassinato era profundo. E a morte não
era o que pensávamos. [...] As árvores estavam carregadas,
o mundo era tão rico que apodrecia”.
16
Algo acontece à
personagem que nela trespassa vida, pulsão, força, crueza
pulsátil: “A piedade pelo cego era tão violenta como uma
ânsia, mas o mundo lhe parecia seu, sujo, perecível, seu”.
17
Ana permanece nesse estado por um bom tempo.
É importante ressaltar que Clarice denomina “amor”
exatamente esse estado de ‘abertura’. Mas, enquanto
mulher, e funcionalidade mãe, Ana se lembra de seus filhos,
é fim de tarde e eles chegarão em casa... Culpa. Morte. A
personagem corre então para casa e “por um instante a
vida sadia que levara até agora pareceu-lhe um modo
moralmente louco de viver”.
18
Seu filho corre ao seu encontro. Ana abraça-o com
força, com espanto, protegendo-se trêmula, porque “a vida
era periclitante. Ela amava o mundo, amava o que fora
criado – amava com nojo”:
Abraçou o filho, quase a ponto de machucá-lo. Como
se soubesse de um mal – o cego ou o belo Jardim
Botânico? – agarrava-se a ele a quem queria acima
de tudo. Fora atingida pelo demônio da fé. A vida é
horrível, disse-lhe baixo, faminta. O que faria se seguisse
o chamado do cego? Iria sozinha... Havia lugares ricos
e pobres que precisavam dela. Ela precisava deles...
Tenho medo, disse. Sentia as costelas delicadas da
criança entre os braços, ouviu seu choro assustado.
Mamãe, chamou o menino. Afastou-o, olhou aquele
rosto, seu coração crispou-se. Não deixe mamãe te
esquecer, disse-lhe. A criança mal sentiu o abraço se
afrouxar, escapou e correu até a porta do quarto, de
onde olhou-a mais segura. Era o pior olhar que jamais
recebera .
19
O olhar não é mais materno (ruptura também da
homeostase dessa função), mas de uma falta, ‘abertura’.
O filho a estranha: a “chave”, como nos diz Sartre acerca
da funcionalidade do outro, não entra, não é eficaz. “Cadê
minha mãe?”, pergunta o menino, chama-a. “Partindo-se
disso, será possível utilizá-las como for melhor aos meus
interesses, caso conheça suas ‘chaves’ e essas ‘palavras-
18
LISPECTOR, 1974, p. 28.
17
LISPECTOR, 1974, p. 28.
16
LISPECTOR, 1974, p. 27.
19
LISPECTOR, 1974, p. 29. Grifos
nossos.Estudos Feministas, Florianópolis, 15(3): 531-539, setembro-dezembro/2007 537
O AMOR (E A MULHER): UMA CONVERSA (IM)POSSÍVEL ENTRE CLARICE LISPECTOR E SARTRE
chave’ aptas a desencadear seus mecanismos”,
20
ou seja,
o retorno de Ana à sua função materna.
Acreditamos que a descrição fenomenológica que
Sartre faz da experiência do amor não dá conta da
especificidade dessa experiência de amor que Clarice
descreve e que não se inscreve na relação com o outro,
na intersubjetividade (apesar de ter sido com o outro ‘cego’
que ela se abriu, se possibilitou). Através da ausência da
funcionalidade do olhar do outro é que Ana se depara
com a vastidão, agora incabível nesse mundinho reduzido
da limpeza, do fogão, da cozinha, do marido e dos filhos:
De que tinha vergonha? Não havia como fugir. Os dias
que ela forjara haviam-se rompido na crosta e a água
escapava. Estava diante da ostra. E não havia como
não olhá-la. De que tinha vergonha? É que já não era
mais piedade: seu coração enchera-se com a pior
vontade de viver.
21
A homeostase funcional é rompida: invade-lhe um
fluxo de vida intenso: possibilidades... Com medo da
intensidade do fluxo de vida pelo qual é invadida (a
experiência de amor, para Clarice Lispector), Ana dirigese para a cozinha, a fim de ajudar a empregada a preparar
o jantar. Continua invadida por essa corrente, que lhe faz
estranhar pequenos, mas intensos sinais de vida que se lhe
avizinham: aranhas, moscas, besouros, etc. Chegam o
marido, os irmãos e suas mulheres. E “apesar de ter usado
poucos ovos, o jantar estava bom”.
22
Ana tenta a todo custo
retomar seu lugarzinho anterior... Eles conversam à mesa,
riem, distraem-se. “E como a uma borboleta, Ana prendeu
o instante entre os dedos antes que ele nunca mais fosse
seu.”
23
Quando as visitas vão embora, Ana se sente ainda
tocada pela experiência vital e brutal pela qual passou:
“O que o cego desencadeou caberia nos seus dias?
Quantos anos levaria até envelhecer de novo? Qualquer
movimento seu e pisaria numa das crianças”.
24
Escuta então
um estouro na cozinha: grita assustada. Nada demais
aconteceu, apenas um pequeno acidente, normal, com
o marido que derramara café. Diz a ele que deseja que
nada lhe aconteça. Ele, é importante frisar, é ele que a
reconduz ao seu mundinho:
É hora de dormir, disse ele, é tarde. Num gesto que
não era seu, mas que pareceu natural, segurou a mão
da mulher, levando-a consigo sem olhar para trás,
afastando-a do perigo de viver. Acabara-se a vertigem
de bondade. E, se atravessara o amor e seu inferno,
penteava-se agora diante do espelho, por um instante
sem nenhum mundo no coração. Antes de se deitar,
24
LISPECTOR, 1974, p. 31.
23
LISPECTOR, 1974, p. 31.
22
LISPECTOR, 1974, p. 31.
21
LISPECTOR, 1974, p. 29.
20
SARTRE, 1997, p. 474.VALESKA ZANELLO
538 Estudos Feministas, Florianópolis, 15(3): 531-539, setembro-dezembro/2007
como se apagasse uma vela, soprou a pequena flama
do dia.
25
O desfecho da história de Ana se dá pelo olhar-se
no espelho. Mas o que é um espelho? “É o único material
inventado que é natural. Quem olha um espelho, quem
consegue vê-lo sem se ver, quem entende que a sua
profundidade consiste em ele ser vazio [...] esse alguém
percebeu o seu mistério de coisa.”
26
Ana não vê o vazio –
contemplado e aberto pelo olho do cego – mas sua própria
imagem, reintroduzida na banalidade de seu cotidiano:
“O olhar no espelho já assinala o desdobramento do sujeito,
que se vê como um outro, objetivo e impessoal”.
27
Percebemos assim que o amor, nesse conto, se abre
para a personagem não na relação com o marido, nem
com o filho, mas no inesperado evento do cego. É talvez
na possibilidade fecunda de não ser olhada, pelo menos
de uma determinada maneira (enquanto funcionalidade
seja para a casa, a família ou para a beleza; homeostase
na qual e a qual a mulher se mantém e mantém), que
sobre espaço para a vastidão do mundo que não cabe
na redução, na aceitação ativa, que Clarice denomina
de destino de mulher e que, sem sombra de dúvidas,
poderíamos relacionar ao que Sartre denomina de má-fé.
É na falta de fundamento, e de sustento, que sua escolha,
enquanto escolha pessoal, se lhe aparece dolorosamente
c o m o m e r a p o s s i b i l i d a d e . O q u e f a z e r c o m e s s a
experiência aponta para destinos possíveis, dos quais Ana
escolhe, novamente, a funcionalidade. Destino de mulher?
É talvez uma pergunta, e uma crítica, que Clarice tenha
apontado indiretamente, sutilmente. E que outros destinos
de mulher são possíveis? É possível um destino de mulher
sem má-fé? Ou será que um destino de mulher sem má-fé
será fatalmente tachado como mascul ino em nos sa
sociedade? São questões que, a partir do conto, se
abriram...
Fazemos nossas as palavras de Cixous:
28
“Lá, mais à
frente, onde o filósofo perde o fôlego ela (Lispector)
continua, mais longe ainda, mais longe do que todo saber
[...]. Ela não sabe nada. Não leu os filósofos. Contudo, temse às vezes a impressão de ouvi-los murmurar em suas
florestas. Ela descobre tudo”.
BRANDÃO, Ruth Silviano. “A loucura feminina na letra do
texto”. In: BRANDÃO, Ruth Silviano; CASTELLO BRANCO,
Lúcia. A mulher escrita. Rio de Janeiro: Lamparina, 2004.
p. 51-57.
28
Hélène CIXOUS, 1999, p. 115.
25
LISPECTOR, 1974, p. 31.
26
LISPECTOR, 1973, p. 94.
27
NUNES, 1995, p. 107.Estudos Feministas, Florianópolis, 15(3): 531-539, setembro-dezembro/2007 539
O AMOR (E A MULHER): UMA CONVERSA (IM)POSSÍVEL ENTRE CLARICE LISPECTOR E SARTRE
CIXOUS, Hélène. A hora de Clarice Lispector. Rio de Janeiro:
Exodus, 1999.
FREUD, Sigmund. Estudos sobre a histeria (1893–1895). Rio
de Janeiro: Imago, 1974. (Edições Standard Brasileira
das Obras Completas de Sigmund Freud, v. XX).
LISPECTOR, Clarice. Água-Viva. Rio de Janeiro: Antenova,
1973.
______. Laços de família. Rio de Janeiro: José Olympio,
1974.
HELENA, Lucia. Nem musa, nem medusa: itinerários da
escrita em Clarice Lispector. Niterói: EDUFF, 1997.
IRIGARAY, Luce. Ce sexe qui n’en est pas un. Paris: Minuit,
1977.
ISAREL, Lucien. A histérica, o sexo e o médico. São Paulo:
Escuta, 1995.
NASIO, Juan. A histeria: teoria e clínica psicanalítica. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 1991.
NUNES, Benedito. O drama da linguagem: uma leitura de
Clarice Lispector. São Paulo: Ática, 1995.
SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada. Petrópolis: Vozes, 1997.
WALDMAN, Berta. Clarice Lispector: a paixão segundo C.L.
São Paulo: Escuta, 1992.
[Recebido em maio de 2006
e aceito para publicação em fevereiro de 2007]
Abstract: The present work analyses Clarice Lispector’s story “The Love”, starting from the following
categories pointed by Sartre in Being and the Anything: to see and to be seen, functionality and
love. Starting from the experience elaborated by Clarice in her text, in which Ana – a housewife,
always busy serving her family (“pure functionality”) –, in one of her goings and comings to and
from the city, comes across a blind man chewing a chewing gum. But a blind man has an eye
that doesn’t see, it is an eye without function. It is this experience that opens to Ana the dimension
of love, in a very specific sense (which points out to the gender relationships), and for which the
phenomenological Sartre’s description seems to us somewhat limited.
ords: Love; Woman; Clarice Lispector; Sartre


4-Uma Leitura Psicanalítica da Personagem Ana em Amor de Clarice Lispector



Mara Regina Santos Rita de Cássia de Souza Moreira ¹ Adilma Nunes Rocha ²

Este trabalho tem como proposta apresentar uma análise do conto Amor de Clarice Lispector, a partir da teoria psicanalítica de Lacan.

PALAVRAS-CHAVE: Literatura; psicanálise; Amor; Clarice Lispector.

Não havia como fugir. Os dias que ela forjara haviam-se rompido na crosta e a água escapava. Estava diante da ostra. E não havia como não olhá-la. De que tinha vergonha? E que já não era mais piedade, não era só piedade: seu coração se enchera com a pior vontade de viver.

(Clarice Lispector, "Amor" in. Laços de Família, 1998. p. 26-27)

INTRODUÇÃO

O conto Amor de Clarice Lispector publicado no ano de 1982 encontrado na obra Laços de Família apresenta uma temática voltada para as questões existenciais, em que a personagem protagonista Ana, em um determinado momento da sua vida cotidiana rotineira demonstra uma extrema insatisfação com a realidade a sua volta.

A partir dos estudos sobre a teoria freudiana do psicanalista francês Jacques Lacan compreendemos a questão do sujeito humano, bem como seu lugar na sociedade e sua relação com a linguagem. Desse modo, procuraremos analisar a personagem Ana segundo o que Lacan define como o estado imaginário que seria uma condição em que nos falta qualquer centro definido do eu, no qual o eu que possuímos se confunde em uma incessante troca.

Clarice Lispector conhecida por sua complexa subjetividade e seus questionamentos do mundo externo sob o interno, nos proporciona uma leitura, em seu conto Amor, da tomada

____________________________

¹ Graduandos do curso de Letras Vernáculas da Universidade do Estado da Bahia – Campus XXI, VI semestre vespertino.

² Professor orientador

de consciência de mundo da personagem protagonista. Devido a isso, enxergamos em Ana a figura de uma ser humano com aspectos psicológicos incomuns, que nos possibilita uma análise psicanalítica.

A análise psicanalítica da personagem Ana, nos proporciona um maior entendimento das questões existenciais, são monólogos interiores da personagem que se acontecem e se combinam num estilo indireto livre até por fim se encontrarem em toda obra. Teremos então uma redução dos vários universos pessoais as correntes de consciência. A obra da autora sublinha a precariedade e o nomadismo da consciência da existência entre as aleluias e as agonias de ser.

Os teóricos de base utilizados para a elaboração deste artigo, foram: EAGLETON, 2001; RALLO, 2005; SCHUITZ, 2005.

LITARATURA E PSICANÁLISE

Jacques Lacan, psicanalista francês, estudou a psicanálise, a partir da teoria freudiana. Seu foco principal era a questão do sujeito humano, seu lugar na sociedade e a relação com a linguagem, sendo que a última era a de seu maior interesse.

Lacan na tentativa de reinterpretar Freud buscou embasar-se em suas teorias estruturalistas do discurso a fim de relacioná-lacom a psicanálise. Para Lacan a criança em seu desenvolvimento ainda não distingue o sujeito do objeto, logo ela se ver no estado imaginário numa condição que não permite que se defina ou que defina seu "eu". No período pré-edipianoa criança se sente dependente do corpo da mãe e em determinados momentos ela terá instintos agressivos contra o corpo da mãe.

Conforme a teoria lacaniana a criança ainda não se reconhece no espelho momento esse conhecido como "fase do espelho", pois ela ainda se vê no imaginário e não consegue aceitar a imagem que vê no espelho como sendo sua, é nessa fase que a criança começa a construir seu "eu".

O pai representa para a criança o incesto, pois ela ao perceber a distinção dos sexos entre a mãe e o pai, se sente apenas como parte de uma relação familiar. Como de acordo com o complexo de Édipo a criança se sente atraída pela mãe, ao descobrir o papel que o pai desempenha na família, reprime seu desejo culposo, conhecido como inconsciente.

A criança refletida no espelho é como uma espécie de "significante" algo que atribui significação e resulta em significado. O significante e o significado estão unidos como um signo, a criança se vê refletida no espelho e se assemelha ao reflexo, logo para Lacan os objetos refletem-se a si mesmos uns aos outros, acriança encontra plenitude na frente do espelho e a identidade total no significado de seu reflexo, ainda não foi estabelecido nenhum "hiato" entre o significante e o significado, entre o sujeito e o mundo.

As identidades surgem em conseqüência da diferenciação e da semelhança com outros sujeitos à sua volta, assim ao passar dessa fase a criança passa do imaginário para a "ordem simbólica" que conforme Lacan é a "estrutura pré existente dos papéis sexual e social e das relações que constituem a família e a sociedade".

Um significante leva a outro, o "mundo metafórico" do espelho transfere-se ao "mundo metonímico" da linguagem. Assim a partir dos significantes produzir-se-ão significações ou significados. De acordo com Lacan entende-se por desejo o "movimento interminável de um significante para outro", o desejo nasce pela falta de algo que se tenta suprir. Desse modo, a linguagem mexe com a falta, a ausência de objetos reais indicados pelos signos. Ao partir para a linguagem, consequentemente significa estar presa ao desejo e distante do "real", do que está inacessível e fora do alcance da significação, ou seja, exterior a "ordem simbólica".

Sendo assim, o inconsciente se estrutura como a linguagem, pois além de funcionar como metáforas e metonímias, também se assemelha a concepção pós-estruturalista da linguagem, sendo composto por menos signos e significações estáveis do que significantes. Em resumo, o "inconsciente é apenas um movimento e uma atividade constante de significantes, cujos significados nos são muitas vezes inacessíveis por serem reprimidos".

ANÁLISE PSICANALÍTICA DA PERSONAGEM ANA

O conto Amor de Clarice Lispector, de forma complexa e subjetiva, fazendo uso intenso de metáforas, relata a história da personagem Ana, uma simples dona de casa entregue a uma vida de rotina, como por exemplo, cuidar dos filhos, da casa e do marido. A personagem vive cercada por situações simples e corriqueiras, mas guarda em seu inconsciente desejos que insiste em negar por considerá-los um perigo à situação segura e reconfortante que imagina viver.

Os filhos de Ana eram bons, uma coisa verdadeira e sumarenta. Cresciam tomavam banho, exigiam para si, malcriados, instantes cada vez mais completos. A cozinha era enfim espaçosa, o fogão enguiçado dava estouros. O calor era forte no apartamento que estavam aos poucos pagando. Mas o vento batendo nas cortinas que ela mesma cortara lembrava-lhe que se quisesse podia parar e enxugar a testa, olhando o calmo horizonte como um lavrador. Ela plantara as sementes que tinha na mão, não outras, mas essas apenas. E crescia árvores, crescia árvores. Crescia sua rápida conversa com o cobrador de luz, crescia a água enchendo o tanque, cresciam seus filhos, crescia a mesa com comidas, o marido chegando com os jornais e sorrindo de fome, o canto importuno dos empregados do edifico. Ana dava a tudo, tranquilamente, suas mãos pequenas e forte, sua corrente de vida.

(LISPECTOR, p. 17-18)

A personagem Ana, procurava se entregar a uma vida tranqüila e previsível, na qual não poderia haver espaços para situações inusitadas. Mas, em determinados momentos um certo desconforto. Pois havia dentro dela, sensações que ela não conseguia negar, que insistia em emergir do seu inconsciente. A personagem se perdia, mas lutava para encontrar um equilíbrio em tudo que vivia. Ana desejava algo, mas que não sabia exatamente o que era. Estava presa àquele mundo de convenções e se sentia mais segura ali, "Certa hora da tarde era mais perigosa. Certa hora da tarde as árvores que plantava riam dela. Quando nada mais precisava de sua força, inquietava-se.[...]" (LISPECTOR, p. 18).

Havia momentos na vida da personagem, sentimentos que guardava dentro de si, que causavam angústias, percebemos que a personagem se sente encurralada, perdida em si mesma, o que segundo Lacan pode ser considerado como se a partir do processo de auto-análise estivesse a procura do objeto de desejo que pode ser entendido como a liberdade, algo que está além do seu eu, mas que a personagem insiste em negar.

No fundo, Ana sempre tivera necessidade de sentir a raiz firme das coisas. E isso perplexamente lhe dera. Por caminhos tortos, viera a cair num destino de mulher, com a surpresa de nele caber como se o tivesse inventado. O homem com quem casara era um homem verdadeiro, os filhos que tivera eram filhos verdadeiros. Sua juventude anterior parecia-lhe estranha como uma doença de vida. Nela havia aos poucos emergido[...].

(LISPECTOR, p. 18).

Ana constroe para si uma vida que segundo ela, considera segura e reconfortante, tenta deixar de lado toda aquela inquietação que a tempos a persegue e considera um perigo, uma ameaça, um risco a vida que havia escolhido para si mesma, assim procura ver as coisas que tem como certas, concretas e seguras, contrapondo aos sentimentos insólitos que sentira em sua juventude e volta e meia desperta do seu inconsciente.

Segundo a teoria de Freud do pós-estruturalismo, revista por Lacan, a personagem está presa a fase imaginária. E mesmo com o anseio de libertar-se da mesmice na qual está condicionada, tem medo. Não consegue se aceitar e reconhecer estas sensações que volta e meia se fazem presentes em sua mente, que poderiam ser vistas como a possibilidade de mudança da personagem por uma vida na qual poderia se auto-afirmar e ser sujeito da sua própria existência. Sem se prenderaos padrões e convenções da época. Sensações estas que poderia despertar a personagem do mundo imaginário e desperte para o que Lacan classifica como "Real", que se caracteriza por aquilo que causa inquietação, por estar fora do alcance da significação.

Seria preocupação, reduzia-se a tomar cuidado na hora perigosa da tarde, quando a casa estava vazia sem precisar mais dela, o sol alto cada membro da família distribuído nas suas funções. Olhando os móveis limpos, seu coração se apertava um pouco em espanto. Mas sua vida não havia lugar para que sentisse ternura pelo seu espanto – ela o abafava com a mesma habilidade que as lides em casa lhe haviam transmitido.

(LISPECTOR, p. 19)

O que sucedera a Ana antes de ter o lar estava para sempre fora de seu alcance: uma exaltação perturbada que tantas vezes se confundira com felicidade insuportável. Criara em troca algo enfim compreensível, uma vida de adulto. Assim ela o quisera e escolhera.

(LISPECTOR, p. 18-19)

Esses momentos angustiavam a personagem, pois ela se defrontava com o que considera fantasmas interiores, mas que pode ser considerado como um fluxo de consciência em que a personagem, poderia se libertar daquele mundo que a oprimia. Só que por estar presa a fase do imaginário, Ana vê como se o perigo estivesse justamente nesses momentos de perturbação psicológica.

O bonde se arrastava, em seguida estacava. Até Humaitá tinha tempo de descansar. Foi então que olhou para o homem parado no ponto. A diferença entre ele e os outros é que ele estava realmente parado. De pé, suas mãos se mantinham avançadas. Era um cego. O que havia mais que fizesse Ana se aprumar em desconfiança? Alguma coisa intranqüila estava sucedendo. Então ela viu: o cego mascava chicles... Um homem cego mascava chicles.

(LISPECTOR, p. 19)

A partir deste fragmento, percebemos que a inquietação na personagem é ainda maior, ela finalmente emerge na pessoa do cego, e Ana se vê nele, o cego representa o significante, posto por Lacan, pois ele traz a tona o que tanto perturbava a personagem, a falta de liberdade, o seu desejo de ter uma vida diferente da que havia imposto a si mesma, "Incapaz de se mover para apanhar suas compras, Ana se aprumava pálida. Uma expressão de rosto, há muito não usada, ressurgira-lhe com dificuldade, ainda incerta, incompreensível. O moleque dos jornais ria entregando-lhe o volume (LISPECTOR, p. 20).

Seu desejo de liberdade emergia-se por fim, a personagem reconhece o sentimento que a tanto a perturbara, sentimento de frustração, de não realização, percebera que tudo aquilo que lhe bastara em um determinado momento não fazia mais sentido, era a tão sozinha liberdade que ficara presa em si mesma. Tudo que vivera até agora, não era real, passou a compreender isso na figura do cego com sua indiferença, a sua presença causara um grande transtorno a Ana, e fez com que entendesse que na sua condição não se sentia realizada, estava presa as convenções sociais e deixara de viver.

A rede de tricô era áspera entre os dedos, não intima como quando a tricotara. A rede perdera o sentido e estar num bonde era um fio partido, não sabia o que fazer com as compras no colo. E como uma estranha música, o mundo recomeçara ao redor. O mal estava feito. Porquê?. Teria esquecido de que haveria cegos? A piedade a sufocava, Ana respirava pesadamente. Mesmo as coisas que existiam antes do acontecimento estavam agora de sobre aviso, tinham um ar hostil, perecível... o mundo se tornara de novo um mal-estar.

(LISPECTOR, p. 21)

Neste fragmento percebemos que tudo se desconstroe ao redor da personagem, as coisas fugiram ao seu controle. Ela desperta para a realidade, e isso tudo a amedronta. Segundo Lacan, o "Real" que está causando problemas e angústias, tudo está se desorganizando a sua volta. E ela não sabe como lhe dar com essas novas sensações.

Não havia como fugir. Os dias que ela forjara haviam-se rompido na crosta e a água escapava. Estava diante da ostra. E não havia como não olhá-la. De que tinha vergonha? E que tinha vergonha? É que já não era mais piedade, não era só piedade: seu coração se enchera com a pior vontade de viver.

(LISPECTOR, p. 27)

A situação de desconforto, era cada vez mais intensa, todos os questionamentos emergiam em sua mente, entre assumir a sua vontade de viver uma outra realidade, de sair deste mundo de convenções ou ignorá-la e deixar as coisas seguirem na mesma linha, continuar vivendo no mundo do imaginário.

Hoje de tarde alguma coisa tranqüila se rebentara, e na casa toda havia um tom humorístico, triste. É hora de dormir, disse ele, é tarde. Num gesto que não era seu, mas que pareceu natural, segurou a mão da mulher, levando-a consigo sem olhar para trás, afastando-a do perigo de viver. Acabara-se a vertigem de bondade. E, se atravessara o amor e o seu inferno, penteava-se agora diante do espelho, por um instante sem nenhum mundo no coração. Antes de se deitar, como se apagasse uma vela soprou a pequena flama do dia.

(LISPECTOR, p. 30)

A personagem a partir do que descreve Lacan em sua teoria do pós-estruturalismo, não consegue se libertar do mundo imaginário. Acaba se prendendo ao mundo no qual já estava acostumada, por considerá-lo mais seguro.

Sendo assim, Ana não consegue assumir sua própria identidade, desse modo segundo a teoria lacaniana, a personagem possivelmente teria se identificado com o cego, pois ele representa o seu próprio reflexo, uma pessoa igualmente limitada. Assim, conforme escreve Lacan, as identidades surgem em conseqüência das semelhanças com outros sujeitos a sua volta. Logo, Ana não consegue passar da fase do imaginário para a simbólica que de acordo com a teoria psicanalítica é a estrutura pré-existente dos papéis sexuais e sociais das relações que constituem a família e a sociedade.

Diante disso, o que parecia ser um relato de uma simples experiência acaba por nos mostrar uma grande revelação. A percepção de uma realidade atordoante, quanto a questões corriqueiras do cotidiano da personagem Ana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O nosso trabalho buscou analisar o conto de Clarice Lispector Amor, a partir da visão psicanalítica. Sabemos que o objeto de estudo da psicanálise é decifrar os enigmas da experiência humana e na literatura é de grande contribuição, pois ambas lêem o homem na sua vivência cotidiana e seu possível destino histórico.

Desse modo, a psicanálise proporciona meios que permitem uma melhor leitura da literatura ou de uma obra literária como o nosso caso. Sendo assim, a teoria a qual nos atentamos, a partir de Lacan, para analisarmos a personagem Ana foi de grande contribuição para entendermos o comportamento incomum da personagem frente a realidade e seu lugar na sociedade e no mundo.

REFERÊNCIAS

EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. 4ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

LISPECTOR, Clarice. "Amor" in. Laços de Família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

RALLO, Elizabeht. Métodos de crítica literária. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

SCHUITZ, Duane P. História da psicologia moderna. São Paulo: Pioneira Thompson Learning, 2005.


Autor: Rita Moreira




5-O mal estar do amor em Clarice:
uma releitura através de Freud e Bauman


"Desde que alberguemos uma única vez o mal, este não volta a dar-se ao trabalho de pedir que lhe concedamos a nossa confiança”.
Franz Kafka


O presente ensaio tem como proposta uma análise do conto Amor, de Clarice Lispector, a partir do olhar de dois autores que se debruçam sobre as relações entre os homens na modernidade: Sigmund Freud e Zygmunt Bauman.

O conto tem início num final de tarde em que a personagem Ana sobe em um bonde com as compras, pensando em seus filhos, sua casa, e na forma como construiu um cotidiano onde se abriga das emoções e das incertezas e reflete sobre uma vida construída de forma a não abrir espaço para grandes paixões:

“Sua juventude anterior parecia-lhe estranha como uma doença de vida. Dela havia aos poucos emergido para descobrir que também sem a felicidade se vivia: abolindo-a, encontrara uma legião de pessoas, antes invisíveis, que viviam como quem trabalha – com persistência, continuidade, alegria”.

Ana represara a felicidade em busca de segurança, pois, segundo Freud, o que chamamos de felicidade seria a satisfação das necessidades, mas que só é possível como manifestação episódica.

Ana havia se tornado alguém obscuro, ou, como ela mesma se representava, alguém que “fazia parte das raízes negras e suaves do mundo”. Abolindo a incerteza e a emoção, restava apenas o cotidiano, no qual ela mergulhara para estar em segurança. Assim, Ana possuía uma vida na qual os dias se sucediam, uns iguais aos outros, e isto lhe dava tranqüilidade:

“Ela plantara as sementes que tinha na mão, não outras, mas essas apenas. E cresciam árvores. Crescia sua rápida conversa com o cobrador de luz, crescia a água enchendo o tanque, cresciam seus filhos, crescia a mesa com comidas, o marido chegando com os jornais e sorrindo de fome, o canto importuno das empregadas do edifício. Ana dava a tudo, tranqüilamente, sua mão pequena e forte, sua corrente de vida”.

Ao conter seus impulsos, Ana abdicou de grandes paixões para alcançar o que denominava de “vida verdadeira”:

“No fundo, Ana sempre tivera necessidade de sentir a raiz firme das coisas. E isso um lar perplexamente lhe dera. Por caminhos tortos, viera a cair num destino de mulher, com a surpresa de nele caber como se o tivesse inventado. O homem com quem casara era um homem verdadeiro, os filhos que tivera eram filhos verdadeiros”.

O refugiar-se do mundo, o isolamento voluntário, o afastamento em relação às pessoas que poderiam trazer emoções e a busca de uma vida que ela considerava sólida, a “felicidade da quietude.” (FREUD, 1987:85), na verdade, era uma forma de se proteger contra o sofrimento que pode advir dos relacionamentos humanos.

“Assim ela o quisera e escolhera”. Vivia uma vida sem grandes sobressaltos, onde tudo podia ser antecipado e controlado, onde nada de surpreendente aconteceria. Esta fora a sua escolha. Ana reduzira suas expectativas em relação à vida e à felicidade, “tal como, na verdade, o próprio princípio do prazer, sob a influência do mundo externo, se transformou no mais modesto princípio da realidade(...)”.(FREUD, 1987:85).

A tática de Ana para conseguir este afastamento consistia em não pensar, não sentir, não lamentar; simplesmente embriagar-se nas lides de dona-de-casa e de mãe. Para evitar sofrimento, insegurança e relações fugidias, Ana se refugiara no casamento, uma relação sólida, porque garantida pelo “até que a morte os separe”.

“Mas na sua vida não havia lugar para que sentisse ternura pelo seu espanto – ela o abafava com a mesma habilidade que as lides em casa lhe haviam transmitido. Saía então para fazer compras ou levar objetos para consertar, cuidando do lar e da família à revelia deles. Quando voltasse era o fim da tarde e as crianças vindas do colégio exigiam-na. Assim chegaria a noite, com sua tranqüila vibração. (...) E alimentava anonimamente a vida. Estava bom assim”.

Ana se agarrava aos objetos, às tarefas, aos deveres, para afogar seu desejo de viver e de encontrar um mundo que, ao mesmo tempo em que poderia lhe trazer prazer, também poderia significar sofrimento. A cada manhã “acordaria aureolada pelos calmos deveres. Encontrava os móveis de novo empoeirados e sujos, como se voltassem arrependidos”.[1]

Ana, na verdade, procura se preservar daquilo que Bauman identifica como o sentimento de fragilidade e de insegurança dos vínculos humanos e dos desejos conflitantes de apertar os laços e, ao mesmo tempo, mantê-los frouxos. Ana não se sente muito feliz na sua vida organizada segundo as normas da civilização, mas segundo Freud, é muito difícil formar uma opinião sobre o papel que a condição cultural desempenha nesta questão, pois segundo Freud, “ela seria a soma integral das realizações e regulamentos que distinguem nossas vidas das de nossos antepassados e animais e que servem a dois intuitos, a saber: o de proteger os homens contra a natureza e o de ajustar os seus relacionamentos mútuos”. (FREUD, 1987:97)

A maneira encontrada por Ana para garantir uma vida que ela considerava como racional, eliminando o que é considerado irrelevante no mundo moderno era o isolamento. Mas, mesmo estando ao abrigo das grandes paixões, defendida dos “perigos” do mundo pelas muralhas do cotidiano que ela havia construído e que lhe ocupava os sentidos, Ana temia perder a “segurança” e a “tranqüilidade” da vida e das relações que construíra. O que a ameaçava não era algo externo:

“Certa hora da tarde era mais perigosa. Certa hora da tarde as árvores que plantara riam dela. Quando nada mais precisava de sua força, inquietava-se”.

Naquela tarde todos os perigos, todos os sentimentos voltaram. Quando o bonde parou...

“Foi então que olhou para o homem parado no ponto. A diferença entre ele e os outros é que ele estava realmente parado. De pé, suas mãos se mantinham avançadas. Era um cego”.

A visão deste homem despertou em Ana todos os sentimentos que sufocara durante tanto tempo. O sentimento de amor, não um amor sexual, mas aquilo que Bauman identifica como o preceito do amor ao próximo, tendo como base a idéia de que este é o princípio fundador da humanidade e de que, sem ele, nenhum outro preceito teria sentido.

“Incapaz de se mover para apanhar suas compras, Ana se aprumava pálida. Uma expressão de rosto, há muito não usada, ressurgira-lhe com dificuldade, ainda incerta, incompreensível”.

Ana redescobre o amor ao próximo, o que, segundo Bauman, desafia e interpela os instintos estabelecidos pela natureza, mas também confere significado à sobrevivência por ela instituído, assim como o do amor próprio que o protege.

“O mal estava feito. Por que? Teria esquecido de que havia cegos? A piedade a sufocava, Ana respirava pesadamente. Mesmo as coisas que existiam antes do acontecimento estavam agora de sobreaviso, tinham um ar mais hostil, perecível... O mundo se tornara de novo um mal-estar”.

A visão do cego mascando chicletes desperta Ana para a possibilidade de um mundo ao mesmo tempo prazeroso e hostil. O mundo do mal-estar, mas também da liberdade. O mundo de todas as possibilidades, sem fronteiras ou regulamentos, do qual ela havia voluntariamente se apartado, mas que veio ao seu encontro naquela tarde. Liberdade da qual Ana havia se afastado. [2]

Amar o próximo, para Bauman, significa respeitar o valor das diferenças, que enriquecem o mundo e reconhece-lo como um lugar fascinante e agradável, abrindo espaço para todas as possibilidades e promessas. Este sentimento inundou Ana, que se sentiu acuada, porque retirada de seu esconderijo.

“O que chamara de crise viera afinal. E sua marca era o prazer intenso com que olhava agora as coisas, sofrendo espantada. O calor se tornara mais abafado, tudo tinha ganho uma força e vozes mais altas”.

Ana estaria percebendo a impossibilidade de renunciar aos instintos. Tal renúncia, que, segundo Freud, domina os relacionamentos humanos, é geradora do que ele identifica como frustração cultural. (FREUD, 1987:104)

Segundo Bauman, Ana teria matado sua própria humanidade, procurado a sobrevivência ao assassinar a humanidade de outros seres humanos e, ao se defrontar com a fragilidade do cego, encarou sua própria fragilidade, a volatilidade de suas escolhas, bem como a impossibilidade de manter-se dentro de suas muralhas. Ana constatou a insegurança de sua fortaleza:

“Ela apaziguara tão bem a vida, cuidara tanto para que esta não explodisse. Mantinha tudo em serena compreensão, separava uma pessoa das outras, as roupas eram claramente feitas para serem usadas e podia-se escolher pelo jornal o filme da noite – tudo feito de modo a que um dia se seguisse ao outro. E um cego mascando goma despedaçava tudo isso. E através da piedade aparecia a Ana uma vida cheia de náusea doce, até a boca”.

Reencontrar-se com os “perigos do mundo” trouxe sobressalto

“Só então percebeu que há muito passara do seu ponto de descida. Na fraqueza em que estava tudo a atingia com um susto; desceu do bonde com pernas débeis, olhou em torno de si, segurando a rede suja de ovo. Por um momento não conseguia orientar-se. Parecia ter saltado no meio da noite”.

Sem se dar conta, Ana entrou no Jardim Botânico:

“A vastidão parecia acalmá-la, o silêncio regulava sua respiração. Ela adormecia dentro de si. De longe via a aléia onde a tarde era clara e redonda. Mas a penumbra dos ramos cobria o atalho. Ao seu redor havia ruídos serenos, cheiro de árvores, pequenas surpresas entre os cipós. Todo o Jardim triturado pelos instantes mais apressados da tarde. De onde vinha o meio sonho pelo qual estava rodeada? Como por um zunido de abelhas e aves. Tudo era estranho, suave demais, grande demais”.

O sentimento de fragilidade tornava-se mais forte:

“Inquieta, olhou em torno. Os ramos se balançavam, as sombras vacilavam no chão. Um pardal ciscava a terra. E de repente, com mal-estar, pareceu-lhe ter caído numa emboscada. Fazia-se no Jardim um trabalho secreto do qual ela começava a se aperceber”.

Ana encontrava-se naquilo que Freud identificou como “um estado de sentimento imparcialmente suspenso, constante e afetuoso, que tem pouca semelhança com as tempestuosas agitações do amor genital”.O encontro com o outro, a saída do enclausuramento, levavam à sensação de que:

“A crueza do mundo era tranqüila. O assassinato era profundo. E a morte não era o que pensávamos”.

Ana estava frente a frente com o medo do desconhecido e com a ameaça do amor ao próximo. E tudo isso, em Ana, habituada a interagir com desconhecidos, levada ao individualismo e desligada dos outros, gera pânico:

“Ao mesmo tempo que imaginário – era um mundo de se comer com os dentes, um mundo de volumosas dálias e tulipas. Os troncos eram percorridos por parasitas folhudas, o abraço era macio, colado. Como a repulsa que precedesse uma entrega – era fascinante, a mulher tinha nojo, e era fascinante. As árvores estavam carregadas, o mundo era tão rico que apodrecia. Quando Ana pensou que havia crianças e homens grandes com fome, a náusea subiu-lhe à garganta, como se ela estivesse grávida e abandonada”.

A sensação de morte e as náuseas experimentadas por Ana podem ser entendidas como manifestações eróticas . [3] Ela tinha sido invadida pelo mundo que durante tanto tempo havia evitado. E a tranqüilidade do isolamento na “normalidade” foi substituída pelo medo e pela “barbárie”:

“Mas todas as pesadas coisas, ela via com a cabeça rodeada por um enxame de insetos, enviados pela vida mais fina do mundo. A brisa se insinuava entre as flores. Ana mais adivinhava que sentia seu cheiro adocicado... O Jardim era tão bonito que ela teve medo do Inferno”.

Ana tenta se refugiar na vida normal. Tenta sair do Jardim e voltar à sua casa, à sua fortaleza segura:

“Mas quando se lembrou das crianças, diante das quais se tornara culpada, ergueu-se com uma exclamação de dor. Agarrou o embrulho, avançou pelo atalho escuro, atingiu a alameda. Quase correndo – e via o Jardim em torno de si, com sua impersonalidade soberba. Sacudiu os portões fechados, sacudia-os segurando a madeira áspera. O vigia apareceu espantado de não a ter visto. Enquanto não chegou à porta do edifício, parecia à beira de um desastre. Correu com a rede até o elevador, sua alma batia-lhe no peito – o que sucedia?”

Não se pode prever as ações do “outro”, e por isso ele causa medo. Sendo incerteza e insegurança, sua presença incomoda, chegando muitas vezes a ser repugnante. Contudo, o habitante da grande cidade não pode evitá-lo. Por isso as fortificações construídas para “deixar o outro do lado de fora”, excluir-se, proteger-se: são formas de tentar o distanciamento.

“Não havia como fugir. Os dias que ela forjara haviam-se rompido na crosta e a água escapava. Estava diante da ostra. E não havia como não olhá-la. De que tinha vergonha? É que já não era mais piedade, não era só piedade: seu coração se enchera com a pior vontade de viver”.

A vontade de viver que poderia ser interpretada como um impedimento à civilização, ou o que Bauman identifica como mixofilia (atração pelo diferente) estavam em Ana. Para Bauman, o urbano é formado por uma mistura de mixofobia (pavor de estranhos) com mixofilia. O que atrai no urbano é a diferença, ao mesmo tempo em que se desenvolve o sentimento de medo e a tendência a isolar-se do outro. Estes sentimentos ambíguos estão dentro de cada habitante e se manifestavam em Ana. Poderia ser também o que Freud considerou como um agente estabelecido no interior do indivíduo pela civilização, “como uma guarnição numa cidade conquistada”.

“Com horror descobria que pertencia à parte forte do mundo – e que nome se deveria dar à sua misericórdia violenta? Seria obrigada a beijar o leproso, pois nunca seria apenas sua irmã. Um cego me levou ao pior de mim mesma, pensou espantada. Sentia-se banida porque nenhum pobre beberia água nas suas mãos ardentes. Ah! era mais fácil ser um santo do que uma pessoa! Por Deus, pois não fora verdadeira a piedade que sondara no seu coração as águas mais profundas? Mas era uma piedade de leão”.

Compartilhar o espaço com estranhos, viver na sua proximidade repugnante e impertinente, é uma condição que os habitantes das cidades consideram difícil, da qual não conseguem escapar. Não se pode prever as ações do “outro”, e por isso ele causa medo. Sendo incerteza e insegurança, sua presença incomoda, chegando muitas vezes a ser repugnante. Mas o habitante da grande cidade não pode evitá-lo. A proximidade de estranhos é sua sina. Faz-se necessário experimentar, tentar, testar e encontrar um modus vivendi que torne a proximidade viável e a vida possível. Todos estes sentimentos estavam presentes em Ana.

“Mas a vida arrepiava-a, como um frio. (...) As gotas d’água caíam na água parada do tanque. Os besouros de verão. O horror dos besouros inexpressivos. Ao redor havia uma vida silenciosa, lenta, insistente. Horror, horror”.

Mas persiste em Ana a tentativa de distanciar-se de tudo o que a amedronta e ao mesmo tempo fascina:

“Humilhada, sabia que o cego preferiria um amor mais pobre. E, estremecendo, também sabia por que. A vida no Jardim Botânico chamava-a como um lobisomem é chamado pelo luar. Oh! Mas ela amava o cego! pensou com os olhos molhados. No entanto não era com este sentimento que se iria a uma igreja. Estou com medo, disse sozinha na sala”.

Segundo Freud, a renúncia instintiva não basta, pois o desejo persiste e não pode ser escondido do superego. Por isso, este desejo também gera medo.

“Uma noite em que a piedade era tão crua como o amor ruim. Entre os dois seios escorria o suor. A fé a quebrantava, o calor do forno ardia nos seus olhos”.

A única forma de livrar-se deste sentimento e deste amor, para Ana, é se refugiar novamente no seu cotidiano, no mundo que construiu para si, tentando proteger-se dos outros através da formação daquilo que Bauman chamou de comunidades de semelhança: espaços fechados e protegidos onde os “iguais” se enclausuram.

“Depois o marido veio, vieram os irmãos e suas mulheres, vieram os filhos dos irmãos. Jantaram com as janelas todas abertas, no nono andar. (...) Depois do jantar, enfim a primeira brisa mais fresca entrou pelas janelas. Eles rodeavam a mesa, a família. Cansados do dia, felizes em não discordar, tão dispostos a não ver defeitos. Riam de tudo, com o coração bom e humano. As crianças cresciam admiravelmente em torno deles. E como a uma borboleta, Ana prendeu o instante entre os dedos antes que ele nunca mais fosse seu”.

A atração de uma comunidade da mesmidade é a de segurança contra os riscos de que está repleta a vida cotidiana num mundo de diversidades. Ela não anula nem afasta os riscos, mas garante abrigo em relação a alguns dos efeitos mais imediatos e temidos dos riscos. Quanto mais as pessoas permanecem num ambiente uniforme - na companhia “dos seus” onde podem socializar-se de modo superficial prosaico sem o risco de serem mal compreendidas nem a irritante necessidade de tradução entre diferentes universos de significações -, mais se tornam propensas a “desaprender” a arte de negociar uma vida compartilhada e conviver com a diversidade. Esta era a única saída para Ana.

“Num gesto que não era seu, mas que pareceu natural, segurou a mão da mulher, levando-a consigo sem olhar par trás, afastando-a do perigo de viver”.

Ao se abrigar no seu mundo racional, liberta dos “malefícios” de amar o próximo, Ana superou a inquietação e estava de volta aos seus dias.

“E, se atravessara o amor e seu inferno, penteava-se agora diante do espelho, por um instante sem nenhum mundo no coração. Antes de se deitar, como se apagasse uma vela, soprou a pequena flama do dia”.



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Bibliografia:

BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2004.

FREUD, Sigmund. O Mal Estar na Civilização (1930[1929] ) in: FREUD, Sigmund. Obras psicológicas completas. Rio de Janeiro: Ed. Imago, 1987.

LISPECTOR, Clarice. Amor. In Laços de Família. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1998.

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[1] Mas ela não volta as costas ao mundo externo; pelo contrário, prende-se aos
objetos pertencentes a esse mundo e obtém felicidade de um relacionamento emocional com eles.”(FREUD, 1987:89)”.

[2] “A liberdade do indivíduo não constitui um dom da civilização. Ela foi maior antes da existência de qualquer civilização, muito embora, é verdade, naquele, na maior parte, valor, já que dificilmente o indivíduo se achava em posição de defende-la. O desenvolvimento da civilização impõe restrições a ela, e a justiça exige que ninguém fuja a essas restrições”. (FREUD, 1987:102).

[3] “As manifestações de Eros eram visíveis e bastante ruidosas. Poder-se-ia presumir que o instinto de morte operava silenciosamente dentro do organismo, no sentido de sua destruição, mas isso, naturalmente, não constituía uma prova. Uma idéia fecunda era a de que uma parte do instinto é desviada no sentido do mundo externo e vem à luz como um instinto de agressividade e destrutividade”. (FREUD, 1987:120)
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