Extraído do blog do companheiro- educador Euler
sábado, 26 de junho de 2010
De sonhos e de lutas - Uma análise pessoal
Primeira parte
O que há de bom no nosso caminhar nunca morre. Na histórica greve dos 47 dias e nos dias que a sucederam travei contatos com muita gente, alguns que conheci agora, outros de outros carnavais. Fui puxando o fio deste tecido social que interliga a nossa caminhada de viventes ambulantes, ainda que aparentemente sedentários, fixados em um endereço qualquer. É bom ter raízes que nos ligam à cultura de um povo, aos costumes, aos valores, mesmo quando não concordamos com tudo quanto nos tornamos parte, seja como construtores ou demolidores.
Cada personagem traz retalhos de tempos que se interligam no passado e no presente, carregando versões de muitas histórias e estórias. Retalhos de outros tempos foram sendo colhidos, tal como um plantador que colhe os frutos, nestes encontros que tivemos com tantos colegas de carreira.
Com João Martinho, um encontro periódico de muitas lutas sociais, sempre ao lado dos oprimidos. Martinho, um dos líderes do nosso movimento da educação, militou no MNU - Movimento Negro Unificado - e participou das "comemorações", ainda na era FHC, dos 500 anos da tal "descoberta" do Brasil, que não foi mais do que a ocupação européia para fins comerciais, num processo de construção e expansão do nascente capitalismo. Foi tratado como os negros e os índios de então, recebido à bala de borracha pela polícia das elites, que salpicou seu corpo com marcas de sangue. Continua na luta, da qual não se aposenta.
Encontrei também o Wladmir, hoje mestre de Direito e História, com quem militei na tenra juventude que buscava o socialismo. Com ele, conheci uma sobrinha-neta do líder sindical comunista Sinval Bambirra, com quem tive a honra de partilhar muitas lutas após o seu retorno de um exílio forçado pela ditadura civil-militar de 1964. Mesmo não concordando com o velho e otimista Bambirra em muitas questões - ele sabia que eu era sempre mais radical e mais à esquerda -, gostava de papear com ele, que me dava lições de otimismo. Ele depositava em mim total confiança em relação às tarefas de organização e políticas que na época partilhávamos. Bom saber que o Wladmir está na luta comum dos educadores de Minas. E a sobrinha-neta do Bambirra, também.
Outro que econcontrei por estas caminhadas foi o colega Gilberto, que conheci há quase duas décadas. Gilberto fora injustamente demitido da Copasa pelo então capacho do desgovernador Newton Cardoso, pelo crime de compor uma oposição sindical à então direção pelega do Sindágua na década de 80. Na época, como militante de uma CUT que não é esta atual, participei e apoei a nascente oposição sindical na Copasa, com Gilberto, Bete, Edilene, Lurdinha, Dário e tantos outros combativos colegas que perderam emprego e pedaços de sua sobrevivência. Mas, ganharam outras perspectivas. Gilberto tornou-se um educador, professor de História, e continua na luta. Um valente, um organizador. Um líder do nosso movimento. Me lembro quando os diretores da Copasa, zangados, quando foram derrotados numa assembléia que a oposição valentemente conquistou, pelo convencimento, a maioria dos trabalhadores. Em resposta, os capachos de Newtão convocaram os engenheiros-chefes que encheram os ônibus de trabalhadores de baixa renda para aprovarem no grito a proposta do chefes. Um massacre, seguido das demissões, com a truculência e a falta de respetio habitual aos senhores de engenho dos tempos modernos.
E assim foi essa jornada, um reencontro com muita gente bonita, corajosa, que construiu esta luta de forma apaixonada. O movimento que era por salário - e continua sendo por um salaŕio mais decente - acabou se transformando, incorporando, literalmente, essas muitas faces de uma gente que tem sonhos, que traz no corpo e na alma os mais belos ideais de uma sociedade que não se conforma com a injustiça, a desigualdade, a canalhice das elites dominantes.
O nosso movimento revelou também uma forte liderança, emergente, a da companheira Beatriz, coordenadora do Sind-UTE. Conheço pouco a Beatriz, a não ser que está ligada á corrente majoritária do Sind-UTE desde o começo. Para mim, que não estou envolvido diretamente nas lutas internas do sindicato - já estive em outra época, não mais - esta questão tem pouca importância. Gosto de analisar e perceber as coisas e as pessoas pela sua atuação no momento, sobretudo nos grandes e decisivos embates. E a Beatriz teve um papel muito importante, pela capacidade que tem de se comunicar, pela firmeza e coerência com que conduziu os trabalhos, pela confiança que inspira e pela forma direta e objetiva com que coloca as coisas. Além disso, ao contrário de outros/outras dirigentes do Sind-UTE de outras épocas, não se deixou envolver em questões pendentes das lutas internas, evitando a chamada "lavação de roupa" em praça pública e poupando assim a categoria daquilo que não era o nosso foco central. Bia é uma das estrelas principais do nosso movimento, desse movimento que é uma constelação de lideranças.
Outros companheiros que reencontrei neste movimento, com os quais também não tenho convivência, mas já os conhecia de outras jornadas de luta são os companheiros da oposição sindical, como a companheira Rosa, sempre combativa, inspirada para cantar e encantar, defendendo com destemor suas idéias e princípios. Uma valente. O companheiro Fábio do PCB é outro colega de muito valor e coragem. Os colegas da Conluta, igualmente valorosos lutadores em prol da nossa luta. Por mais que possamos divergir das leituras e dos encaminhamentos que eles propõem, não há como não respeitar o espírito de combate e a entrega apaixonada pela causa dos educadores e dos assalariados em geral.
Devo confessar: senti falta dos anarquistas. Travei contato há algum tempo com um grupo anarco-punk de BH e aprendi a respeitá-los e deles trago ainda hoje as melhores lembranças e propostas de luta de uma sociedade sem estado e sem mercado. Minha formação marxista era (é ainda) marcada por algumas análises coerentes, mas também por muitos dogmas, entre os quais o preconceito em relação às correntes anarquistas. Um equívoco que corrigi. E confesso: o nosso movimento seria melhor, mais rico, se os anarquistas estivessem presentes, com seu calor libertário e vontade de enfrentar os agentes do estado de forma despojada.
Na metade da nossa greve recebo um e-mail de um amigo e ex-companheiro de militância - num tempo em que eu militava organizadamente, já faz tempo isso! - o PP - Pedro Paulo, que mora hoje em São Paulo e leciona em universidade. Lembrei-me de uma cena pitoresca: há mais ou menos uns vinte e poucos anos, em plena Copa do Mundo. Sentados num boteco de BH, enquanto as mesas eram ocupadas por torcedores uniformizados que gritavam ou sofriam a cada lance de um dos jogos do time verde-amarelo, PP e eu terminávamos as teses para uma conferência de revolucinários (ou pretensamente revolucionários). As pessoas olhavam pra gente como seres de outro planeta. E a recíproca era mais ou menos a mesma.
Agora, quando os deputados votam o nosso destino em plena Copa do Mundo, lá estamos nós novamente, como seres alienígenas, a pensar e a brigar por coisas que parecem estranhas para o cotidiano tomado pelas vuvuzelas. Mas, devo fazer uma nova confissão: até nisso, na torcida aparentemente cega durante a Copa, o Brasil mudou, amadureceu, apesar dos Galvões Buenos da vida e das manipulações globais. Já não é tão estranho assim torcer pelo Brasil e ao mesmo tempo lutar por um salário mais justo.
(continuarei depois, os próximos capítulos desse depoimento pessoal...)
Postado por Blog do Euler às 08:33 2 comentários
sexta-feira, 25 de junho de 2010
Deputados da base do governo rejeitam emendas dos trabalhadores da educação
Acabo de chegar da ALMG* onde os deputados da base do governo (vamos divulgar a lista completa assim que chegar às nossas mãos) rejeitaram vergonhosamente as emendas dos trabalhadores da Educação de Minas. E com isso, submissos ao governador e ao faraó, retiraram alguns direitos históricos dos educadores e aprovaram em primeiro turno o projeto de lei 4689/2010.
Quero iniciar este relato que será breve, agora à meia-noite e dez, com palavras de elogios. Primeiramente, aos bravos educadores (sem distinção de gênero) de Minas Gerais, entre os quais eu tenho orgulho de pertencer. Nós devemos nos orgulhar porque fomos capazes de travar a mais bonita luta dos últimos anos em Minas e no Brasil.
Foram 47 dias de uma histórica greve e mais 20 dias de suspensão da greve em compasso de espera com a mesma disposição de combate. Um VIVA muito alto e forte para os trabalhadores da Educação de Minas!
Em segundo lugar, ainda antes de fazer um brevíssimo relato (todo mundo sabe que eu farei, depois, uma análise um pouco maior, talvez neste final de semana), quero destacar aqui as conquistas que obtivemos com a nossa luta. Sei que vou esquecer de algumas, mas vamos lá:
1) Desafiamos, encaramos e enfrentamos de peito aberto e com muita coragem e ousadia a uma poderosa política de estado, neoliberal, articulada pelo faraó do clã Neves, que envolve o legislativo, o judiciário, a máquina do poder executivo e toda a grande mídia de Minas e do Brasil. Não é pouca coisa não o que enfrentamos.
2) Revelamos para a comunidade mineira o conteúdo do tal choque de gestão e todo o seu significado, que vai contra a Educação pública, promove o achatamento salarial e favorece aos grupos de grandes empreiteiros e a alta hierarquia dos poderes constituídos.
3) Construimos uma unidade de luta no nosso campo, elevando a autoestima dos educadores e propiciando um aprendizado prático, tanto para os educadores quanto para toda a sociedade: sem luta, não conquistamos os direitos a que fazemos jus.
4) Graças ao nosso movimento, o governo se viu forçado a enviar para o Legislativo um projeto de lei que prevê um salário um pouco maior do que aquele que recebemos. Sem a nossa luta, não haveria nenhuma conquista. Com a nossa luta, conquistamos, até o momento, em termos salariais:
a) um novo teto salarial, que passará de R$ 935,00 para R$ 1.320,00 (um aumento de 41,18%). Se dependesse do governo Aécio-Anastasia, somente no próximo ano teríamos que reivindicar um novo aumento. Além disso, todas as carreiras tiveram algum reajuste nas novas tabelas que serão implantadas em 2011,
b) a aplicação das novas tabelas, que estava prevista para o distante mês de março de 2011, em função da nossa pressão direta, foi antecipada para janeiro de 2011. Outra conquista do nosso movimento,
c) uma outra importante conquista foi assegurar o reajuste anual dos subsídios das novas tabelas, coisa que o governo nem cogitava no projeto original.
Mas, também sofremos perdas de direitos que, embora não representem no imediato perda financeira, representam, além de uma grande injustiça, o risco de perdas futuras. Refiro-me à perda das gratificações como quinquênios e biênios e ao posicionamento da quase totalidade dos servidores no grau A (início de carreira) do novo plano de carreira.
Mas, mesmo aqui, podemos dizer que nem a batalha e muito menos a guerra estão perdidas. Temos força e fôlego e união para recuperar esses direitos com o novo governo, seja ele qual for. Não vamos abrir mão de questões essenciais, como:
a) posicionamento do servidor de acordo com o tempo de efetivo exercício na carreira (seja como designado, efetivo ou da Lei 100),
b) retorno dos percentuais do atual plano de carreira, de 22% para mudança de nível e 3% para mudança de grau (contra os 10% e 2,5%, respectivamente, do projeto do governo),
c) além de gratificações pelos percentuais atuais para o ensino especial, para o cargo de vice-direção, etc.
Esse conjunto de coisas, de conquistas e perdas que serão reconquistadas em breve, deve nos servir de estímulo para manter a nossa unidade, o nosso intercâmbio e a nossa disposição de luta.
Claro que a nossa luta não se resume à questão salarial. Mas, esta é uma questão central, da qual não abriremos mão mais de forma alguma. Mas, outras questões como: a democracia na escola; a escola que queremos construir para a formação crítica da sociedade; o trabalho interdisciplinar; os tempos e os espaços na escola; a autonomia da escola e da formulação de políticas pedagógicas; o papel do sindicato e a construção de mecanismos de base para o fortalecimento da nossa luta como coisa permanente na nossa vida, etc.
São muitos os desafios, que devem culminar com a reflexão sobre as nossas carreiras da Educação e sobre a Educação pública como instrumento de libertação social, de formação para a vida, com pensamento crítico e formas autônomas de organização social.
São temas sobre os quais pretendo, juntamente com todos os educadores de Minas e do Brasil - recebi um e-mail de uma colega educadora do Rio de Janeiro que disse que todos assistem com muita expectativa o desfecho da nossa luta - estudar. E esta é sem dúvida uma outra conquista da nossa luta. A de criar ou de recuperar para o Brasil aquilo que deve ser uma referência para todos nós: as conquistas são alcançadas na luta e não apenas através de conchavos com governos das diversas esferas, coisa que se tornou comum a certas entidades, inclusive na esfera federal, como aquela que diz nos representar, a CNTE. Não me representa, que isso fique bem claro!
Os deputados serviçais do governo
Parecia uma música de uma nota só, onde os deputados da base do governo (por questão de justiça, sei que houve um ou outro que ousou votar contra o governo e nós divulgaremos em breve o(s) nome(s) dele(s) também, como amigo(s) da Educação), só souberam fazer uma coisa: NÃO às emendas dos educadores.
Um bando de carneirinhos, serviçais do faraó e do governador, políticos com p minúsculo, incapazes de uma ação autônoma; insensíveis com as realidades dramáticas dos educadores; e acima de tudo cínicos, sobretudo aqueles que, além de votar contra os educadores e a educação ainda tiveram a cara de pau de tentar justificar o seu posicionamento dizendo que estavam votando a favor dos educadores.
Os deputados da oposição PT-PCdoB-PMDB, entre os quais Weliton Prado, Padre João, Odelmo Leão e Carlim Moura, fizeram a sua parte, apresentando e defendendo as emendas dos trabalhadores da Educação.
Mas, como já era esperado, a bancada do governo votou contra as emendas. No plenário não tiveram sequer a coragem de defender suas idéias. Nas comissões, onde as salas são fechadas e a população não consegue se fazer ouvir, alguns governistas, como Lafaiete Andrada (da famíglia Andrada?) tiveram a cara de pau de dizer que os educadores só tiveram ganhos com o projeto do governo. Não explicaram os cínicos se era justo que um servidor com 20 anos de casa viesse a receber o mesmo salário de alguém que se inicie hoje na carreira. E se eles gostariam que retirassem do poupudo salário deles os "penduricalhos" que fazem engordar a remuneração de um deputado. Pimenta nos olhos alheios é refresco.
O resultado da votação foi em torno de 30 votos de rejeição contra 19 a favor das emendas. Em breve vamos divulgar a lista e o retrato dos inimigos da Edcuação pública em Minas. Que os educadores em todas as escolas de Minas façam trabalhos de pesquisa com os alunos sobre este tema e convidem os pais e familiares a conhecerem aqueles que são inimigos da Educação. Precisamos de representantes que respeitem a população e não de vacas de presépio do faraó e do governador.
Só não consigo ficar triste, pessoal, porque acho sinceramente que nós tivemos mais conquistas do que perdas. E estas, serão recuperadas, a depender apenas da força, da união e da mobilização que nós demonstramos ter.
Por isso, colegas de luta, nada de desânimo, nem rosto triste, nem cabeça baixa. Nada disso, gente. Somos o povo da luta e de muitas conquistas! Termino portanto este breve relato mandando um abraço e um sorriso para todos/todas os/as bravos/bravas colegas da Educação de Minas e do Brasil.
Nossa luta está ainda nos primeiros rounds. E nós já derrubamos o governo, o faraó e seus asseclas mais de uma vez, em pouco tempo. Estamos de pé e prontos para os próximos desafios, como o de Outubro e depois o de Janeiro, com o próximo governo.
Leiam também:
Boletim do Blog do COREU edição nº 16
Artigo do Wladmir Coelho: "VERGONHA
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA CURVA-SE MAIS UMA VEZ DIANTE DE EL REY E REJEITA REIVINDICAÇÕES DOS PROFESSORES"
Blog da Cris
Jornal O Tempo
Site do Sind-UTE
* A hora em que cheguei no meu bunker não corresponde exatamente ao horário que saimos da ALMG, por volta de 20h. Ao retornar para Vespasiano, passamos no bairro Morro Alto onde mora o colega Paulão, famosíssimo após a entrevista que deu à Itatiaia. Claro que a rádio ficou mais conhecida depois da entrevista dele, e não ele, que já era popular em toda a região. Fato é que João Martinho - outra grande liderança dos educadores -, Paulão e eu paramos num bar em frente á mansão do Paulão e comemos uma pizza para lembrar que quase tudo no Brasil acaba assim, em pizza. Menos a nossa luta e as conquistas que tivemos e que ainda teremos . Assim, somente lá por volta de meia noite retomei os informes neste blog.
Nenhum comentário :
Postar um comentário